TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
482 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por um lado, a afirmação do direito de defesa com a dignificação e a supremacia de princípio axiológico cons- titucional de natureza imperativa, a exigir conformação processual (instrumental) adequada, para além da virtuali- dade da sua força vinculativa geral e abstrata e aplicabilidade direta, ex vi do artigo 18.º, n.º 1, da CRP. Por outro lado, e sequencialmente, a função ativa de garante que ao juiz de instrução compete exercer, direta- mente articulada com os direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas. […] 2.2 – No fundo, a dicotomia investigação criminal – instrução do processo criminal (neutramente nos expri- mindo sem compromisso terminológico, por desnecessário) funde-se em interdependência e complementaridade: a fase prévia serve para criar a convicção da entidade titular da ação penal, a subsequente destina-se a moldar a con- vicção do julgador. A garantia da natureza judicial desta última expande-se aos atos praticados na primeira sempre que equacionados os direitos fundamentais do arguido, implicando a intervenção do juiz-garante. […] 3.2 – O CPP de 1987 veio valorar significativamente o estatuto do Ministério Público na fase em causa, reforçada pelo reconhecimento da sua autonomia, a nível constitucional, com a 2.ª Revisão (cfr. o n.º 2 do artigo 221.º). […] 4 – Pensa-se que à leitura do preceito em causa do CPP pela óptica constitucional continua a interessar, sem dúvida, o elemento histórico bem como o feixe de argumentos em sua defesa até agora sobremaneira utilizados, mas igualmente se crê impor-se hoje uma interpretação mais dinâmica da norma constitucional. Sempre o n.º 4 do artigo 32.º funcionará como referencial condicionante do ordenamento jurídico infracons- titucional. […] Por outras palavras e no concreto caso, o n.º 4 do artigo 32.º da CRP prossegue a tutela de defesa dos direitos do cidadão no processo criminal e, nessa exacta medida, determina o monopólio pelo juiz da instrução, juiz-ga- rante dos direitos fundamentais dos cidadãos («reserva do juiz»). Intervenção do juiz que vale – e só vale – no âmbito do núcleo da garantia constitucional. Assim ocorre em toda a fase de inquérito ao Ministério Público confiada pelo CPP atual, compreendendo o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabi- lidade deles, descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação (artigo 262.º, n.º 1), justificando-se a intervenção do juiz-garante sempre que afetado aquele núcleo – consoante o elenco de situações descritas nos artigos 268.º e 269.º Mantém-se incólume o preceito constitucional e o regime por ele moldado e, do mesmo passo, concilia-se a norma nele contida com outros valores tutelados ao mesmo nível – o direito à segurança (n.º 1 do artigo 27.º), envolvendo componentes de segurança jurídica e de certeza quanto ao exercício dos direitos, o respeito pelos direi- tos e liberdades dos terceiros expresso na Declaração Universal dos Direitos do Homem (n.º 2 do artigo 29.º), as exigências de ordem pública, são exemplos de referentes jurídico-constitucionais a exigir a observância da adequa- ção e da proporcionalidade. […] O problema da constitucionalidade do artigo 263.º, n.º 1, do CPP face ao n.º 5 do artigo 32.º da CRP. 1 – Resta abordar este último problema levantado pelo recorrente, para o qual o sistema vigente viola a estru- tura acusatória do processo criminal. Recorde-se aquele n.º 5: «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência do julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.» Na tese do recorrente, a competência atribuída pelo CPP ao Ministério Público igualmente contraria aquela estrutura. Ainda aqui lhe falece razão.
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