TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

481 acórdão n.º 121/21 canalizada para o processo foi obtida com respeito pelos direitos fundamentais”. Se esses valores forem respeitados, não há obstáculo à admissibilidade de uma “fase pré-processual” ou “extra-processual”. Semelhante posição defendeu o Professor Figueiredo Dias, quer nas intervenções que teve no encontro-debate organizado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que decorreu nos dias 7 e 8 de fevereiro de 1981, no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, e que podem ver-se em A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, Livros Horizonte, 1981, pp. 43 e segs. e 80 e segs., quer na conferência proferida em 23 de julho de 1983, na Ordem dos Advogados do Porto, subordinada ao título Para uma reforma global do Processo Penal Português – Da sua necessidade e de algumas orientações fundamentais e que, depois de reelaborada, foi publicada em Para uma Nova Justiça Penal, 1983, pp. 189 e segs. “O processo penal – lê-se no capítulo V, n.º 1, alínea a) , desta conferência – deve iniciar-se com uma fase – cuja denominação é em larga medida indiferente, mas que, com razoável correção, se chamará inquérito preliminar – que tenha por finalidade a investigação da notitia criminis e, consequentemente, a fundamentação cabal de uma decisão de acusação ou de não-aceitação. A direção desta fase deve caber ao Ministério Público, que assim retomará em plenitude a sua função tradicional de domínio da investigação criminal pré-judicial, assistido pelos órgãos de polícia judiciária. Tornando-se necessária, nesta fase, a prática de atos que diretamente se prendam com a esfera dos direitos fundamentais das pessoas, tais atos deverão ser autorizados – e alguns deles (os que deverem constituir ‘atos judiciais’ para efeitos dos artigos 205.º e 206.º da Constituição) mesmo praticados – pelo juiz de instrução. Ora, apesar de, pelo novo Código, a direção do inquérito caber ao Ministério Público, há atos que competem exclusivamente ao juiz de instrução nos termos dos artigos 268.º e 269.º; proceder ao primeiro interrogatório judi- cial de arguido detido; proceder à aplicação das medidas de coação ou de garantia patrimonial previstas nos artigos 197.º (caução), 198.º (obrigação de apresentação periódica), 199.º (proibição de permanência, de ausência e de contactos), 200.º (suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos), 201.º (obrigação de permanência na habitação) e 202.º (prisão preventiva); proceder a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário; tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida; ordenar ou autorizar buscas domiciliárias, apreensões de correspondência, interceções ou gravações de conversações ou comunicações telefónicas, bem como “a prática de quaisquer atos que a lei expressamente fizer depender de ordem ou autorização do juiz de instrução”. Por outro lado, tendo, e certo, a instrução carácter facultativo, pode sempre o arguido requerer a sua abertura “relativamente a factos pelos quais o ministério público, ou o assistente em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação” [artigo 287.º, n.º 1, alínea a) ]. Sendo assim, e não podendo duvidar-se de que a direção do inquérito cabe nas funções do Ministério Público, definidos no n.º 1 do artigo 224.º da Constituição (na parte em que este preceito lhe dá competência para “exercer a ação penal”), parece não poderem levantar-se obstáculos, quer ao artigo 263.º, quer a primeira parte do n.º 2 do artigo 286.º». Esta temática foi revisitada no Acórdão n.º 23/90, a propósito de um recurso, em fiscalização concreta da constitucionalidade, em que os recorrentes, arguidos em processo criminal, invocavam, uma vez mais, a inconstitucionalidade da norma do artigo 263.º, n.º 1, do CPP, designadamente, por atribuir ao Ministério Público a direção do inquérito, a qual só pode ser incumbida a um juiz de instrução, contrariando a estrutura acusatória conferida ao processo criminal pelo n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República. O citado aresto reiterou a posição anteriormente assumida por este Tribunal, no sentido da conformi- dade constitucional da fase de inquérito, tal como configurada na lei ordinária, incluindo o papel e as com- petências aí atribuídas ao Ministério Público. Adiantou-se, a este propósito, no Acórdão em causa: “ 2 – Importará, na análise a empreender, abordar os antecedentes jurisprudenciais, na estrita medida do indispensável, mas não sem que, preliminarmente, se deixem claramente expostos os postulados em que assentará o desenvolvimento subsequente.

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