TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
480 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL As normas vêm questionadas com fundamento na violação das seguintes normas e princípios constitu- cionais: a) Reserva da função jurisdicional, inerente ao Estado de direito democrático, e plasmada no artigo 202.º da Constituição (CRP). b) Direitos de defesa do arguido em processo penal, em particular do disposto no artigo 32.º, n. os 1 e 4, da CRP. c) Direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, nos termos do artigo 20.º da Constituição. 11. Jurisprudência relevante do Tribunal Constitucional Tendo em atenção a delimitação do objeto a que acima se procedeu, importa revisitar a jurisprudên- cia do Tribunal Constitucional a propósito da fase de inquérito em processo penal, tomando em especial consideração as apreciações aí feitas sobre o papel jurídico-constitucional do Ministério Público, já que esta problemática constitui o ponto central da análise a levar a cabo no presente caso. A primeira decisão, de enorme relevância, a considerar, é o Acórdão n.º 7/87, lavrado em sede de fis- calização preventiva da constitucionalidade, a pedido do Presidente da República, que expressou, quanto à matéria que aqui releva, as seguintes dúvidas: «(...) o artigo 263.º, ao cometer a direção do inquérito ao Ministério Público, parece ferir o disposto no n.º 4 do artigo 32.º, já atrás referido, visto as diligências processuais que cabem nessa designação serem materialmente instrutórias e, portanto, da competência de um juiz, e, por outro lado, parece não se harmonizar com as funções constitucionais daquela magistratura, tais como são definidas no artigo 224.º, n.º 1, da Constituição». OTribunal Constitucional entendeu, a este propósito, que o desenho legislativo da fase de inquérito em processo penal é compatível com o disposto na CRP, com base nos argumentos seguintes: «O n.º 4 do artigo 32.º., que se invoca como violado por essas normas, tinha na versão originária da Consti- tuição a seguinte redação: “toda a instrução será da competência de um juiz, indicando a lei os casos em que ela deve assumir forma contraditória”. Esse número diz hoje: “toda a instrução e da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos atos instrutórios que se não prendam diretamente com: os direitos fundamentais”. A segunda parte do primitivo n.º 4 passou para a segunda parte do atual n.º 5: – na verdade, onde se dizia (n.º 5) “o processo criminal terá estrutura acusatória, ficando a audiência do julgamento subordinada ao princípio do contraditório”, diz-se agora “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”. O que está em causa, porém, é só a primeira parte do n.º 4, que impõe que toda a instrução seja da competência de um juiz. Diga-se, desde já, que, na sua atual redação, esse n.º 4 é menos exigente que na anterior permite-se agora expressamente que o juiz delegue noutras entidades em termos a fixar por lei – a prática dos atos instrutórios que se não prendam diretamente com os direitos fundamentais. Mas fica sempre o princípio: a competência para a instrução pertence a um juiz. E que a finalidade do “inqué- rito” é a mesma que as leis anteriores atribuíam ao “corpo de delito” e à “instrução preparatória” parece fora de dúvida: – o inquérito compreende, nos precisos termos da nova lei, o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem a decisão sobre a acusação. Simplesmente, a instrução de que se fala no citado n.º 4 pode ser entendida – era nesse sentido a jurisprudência da Comissão Constitucional – como não abrangendo “todas as formas de averiguação, investigação ou corpo de delito suficientes para apresentação do feito em juízo”. A intervenção do juiz – lê-se no acórdão n.º 6 – justifica-se “para salvaguardar a liberdade e a segurança dos cidadãos no decurso do processo-crime e para garantir que a prova
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