TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
48 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Marques da Silva e Fernando Sá, em anotação ao primeiro daqueles artigos: «[a] Constituição conhece outros graus de inviolabilidade de direitos fundamentais, bastando pensar na inviolabilidade da vida humana, cujo grau é de nível superior à inviolabilidade do domicílio ou das comunicações porque não admite, por exem- plo, que tal direito fundamental seja afastado em caso de estado de sítio ou de emergência (artigo 19.º, n.º 6), ao contrário do que se passa com o direito ao domicílio ou ao sigilo das comunicações» (vide Autores cits., in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I [reimpr], cit., pp. 549-550). Assim, perspetivando a força expressiva idiossincrática da afirmação contida no n.º 1 do artigo 24.º, dir-se-á – citando Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva: «A Constituição portuguesa não se limita, ao contrário de outros textos fundamentais e da própria DUDH, a dizer que “todos os homens têm direito à vida”, afirmando antes, numa fórmula normativa muito mais forte e expressiva, que “ a vida humana é inviolável ”. O artigo 24.º desempenha, entre os direitos fundamentais, um papel absolutamente ímpar. Membro do clube restrito dos direitos insuscetíveis de suspensão (n.º 6 do artigo 19.º), o direito à vida surge consagrado no n.º 1 do artigo 24.º não apenas na sua dimensão puramente subjetiva, como o primeiro dos direitos fundamentais – mais do que um direito, liberdade e garantia, ele constitui o pressuposto fun- dante de todos os demais direitos fundamentais –, mas como valor objetivo e como princípio estruturante de um Estado de Direito alicerçado na dignidade da pessoa humana (artigo 1.º)» (Autores cits., in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I [ed. da Coimbra Editora], cit., anot. I ao artigo 24.º, p. 501; itá- licos no original; no mesmo sentido de o direito à vida ser «o primeiro dos direitos fundamentais» e, logicamente, um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais», v. também Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. I ao artigo 24.º, p. 446). 25. Já antes foi salientada a imutabilidade do texto que consagra o direito à vida na Constituição por- tuguesa – de todo o texto – desde a versão inicial de 1976. Essa circunstância confere um particular relevo interpretativo à génese dessa exata forma, dotada de apreciável singularidade, de consagrar o direito à vida, bem diversa da que era empregue na Constituição de 1933 (que referia, no respetivo artigo 8.º, 1.º, cons- tituir direito e garantia individual dos cidadãos portugueses: «[o] direito à vida e integridade pessoal»). O rememorar das incidências da consagração, em 1976, desse texto pode contribuir para a captação da mensa- gem normativa por ele expressa. O texto aprovado pelos constituintes teve origem no projeto de Constituição apresentado pelo Partido Comunista Português, no início de julho de 1975 ( Diário da Assembleia Constituinte, Suplemento ao n.º 16, de 24 de julho de 1975, p. 42): «Artigo 30.º (Direito à vida) 1. A vida humana é inviolável. 2. Não existe pena de morte.» Este texto foi transposto, quase integralmente, para o texto final. O Deputado constituinte José Ribeiro e Castro, em texto de opinião recente, datado de 2 de fevereiro de 2021, publicado no jornal online Obser- vador, aludiu à força extraordinária desta fórmula, em comparação com as outras propostas de texto então apresentadas: «[A] generalidade dos projetos de Constituição, em 1975, continha formulações jurídicas habituais na proteção do direito à vida. O projeto do CDS dizia: «Constituem direitos e liberdades individuais do cidadão português (…) o direito à vida e à integridade física.». O do PS: «É garantido o direito à vida e integridade física.». O do MDP/
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