TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

478 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL relativamente ao processo principal de que emerge, impõe-se fazer uma prévia delimitação do objeto do presente recurso de constitucionalidade, de acordo com o real conteúdo da fundamentação do acórdão recorrido. Por essa razão, com base em tal enquadramento, que, aliás, já se havia consignado antes (ponto 10.1), atenderemos, a um só tempo, à necessária fixação da dimensão normativa que deverá compor o objeto deste contencioso constitucional e responderemos, conforme atrás antecipado, à verificação do cumprimento do pressuposto relativo à ratio decidendi por parte do recorrente B.. Vejamos. Como flui da própria argumentação expendida pelo Ministério Público, nas contra-alegações quanto à primeira questão de inconstitucionalidade colocada pelo recorrente A., e que já tivemos ocasião de trans- crever no ponto anterior 10.2, assistindo-lhe razão, o Tribunal da Relação de Lisboa adotou como critério normativo da sua decisão um fundamento restrito, respeitante somente aos tipos de atos específicos que estavam em causa no litígio originário. Ou seja, não cabe apreciar, em sede deste recurso de constituciona- lidade, uma norma genérica, no sentido de que todas as nulidades e invalidades alegadamente cometidas pelo Ministério Público durante o inquérito estariam alheias à competência de conhecimento do juiz. Não foi efetivamente, conforme se vem de examinar, este o sentido da ratio decidendi do Tribunal da Relação de Lisboa, o que levou ao não conhecimento da primeira questão apresentada pelo recorrente A.. Isto porque, na verdade, a ratio decidendi adotada abrange exclusivamente as eventuais invalidades do ato de constituição de arguido e da consequente imposição da medida de coação de termo de identidade e residência. Remeta-se para e reiterem-se as palavras do próprio acórdão do tribunal a quo, citadas supra . Nesse contexto, consigne-se, desde logo, que não prospera a tese do Ministério Público acerca do incumprimento do pressuposto da ratio decidendi no que toca aos termos do recurso do recorrente B.. A interpretação normativa que nos interessa deslindar versa sobre os mecanismos de controlo das invalidades cometidas em inquérito especificamente quanto à constituição de arguido e à prestação de termo de identi- dade e residência. Foi exatamente este o recorte dado pelo recorrente B. no seu requerimento de interposição. Pese embora a necessidade de redução do objeto, quanto a este específico recurso, nos termos que acima se adiantaram, o requisito ora em apreço está, sim, presente. Além disso, considerando que nada obsta ao conhecimento da segunda questão do recorrente A., que o âmbito desta inclui a imposição do termo de identidade e residência e, ainda, que existe uma relação direta de conexão entre ela e a questão inscrita no recurso do recorrente B., o juízo que se irá proferir interferirá automaticamente na pretensão deste recorrente porque, de acordo com o que se esclareceu acima, o destino da decisão recorrida aproveitará a ambos. Finalmente, temos que proceder à delimitação do objeto em causa para dar coerência à tramitação do processo, em conformidade com o real conteúdo da fundamentação do acórdão em crise. Devemos, em primeiro lugar, recordar que “ao contrário do que ocorre com a delimitação do conceito funcional e formal de norma, em que [...] a jurisprudência constitucional prescinde das notas de genera- lidade e de abstração – a interpretação normativa sindicável pelo Tribunal Constitucional pressupõe uma vocação de generalidade e abstração na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente” (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 32). Esta necessidade de abstração faz com que, mais do que reunir os dispositivos legais relevantes para a conformação da questão de constitucionalidade, os recorrentes devam ser capazes de elaborar uma dimensão normativa idónea, à luz da decisão de que pretendem recorrer, da qual resulte um comando genérico replicá- vel. Daí que seja possível, perante um conjunto de diferentes segmentos legais, como os que são apontados pelos ora recorrentes, unificar as vertentes acenadas como potencial objeto de recurso, para se chegar ao núcleo real do fundamento que levou o tribunal recorrido a decidir da forma como decidiu. Trata-se, pois, em boa medida, de um exercício de mero desvelamento do conteúdo normativo fundamental, contido na conjugação de inúmeras normas legais.

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