TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
471 acórdão n.º 121/21 86. Aqui chegados, admitamos, mesmo assim, como hipótese meramente académica, e sem conceder, que as obrigações decorrentes da sujeição à medida de prestação de termo de identidade e residência se possam revelar susceptíveis de comprimir os direitos fundamentais à liberdade e de deslocação e emigração (o que, repita-se não ocorre, uma vez que não se mostra afetados os limites de conteúdo do bem jurídico constitucionalmente tutelado). 87. Ora, ainda que assim entendêssemos, não poderíamos ignorar que, podendo a eventual compressão daque- les direitos fundamentais decidida, indiretamente, por um magistrado não juiz, e não sujeita, no imediato, a reapreciação jurisdicional, contender, hipoteticamente, com o disposto no n.º 1, do artigo 202.º, da Constituição, a solução oposta, a saber, a da sujeição da decisão de aplicação da medida de prestação de termo de identidade e residência à imediata apreciação (ou reapreciação) do Juiz de Instrução Criminal revelar-se-ia, pelo contrário, indubitavelmente violadora dos princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público. 88. Na verdade, se se reconhecesse ao Juiz de Instrução Criminal competência para reapreciar e sancionar a deci- são tomada pelo Ministério Público da constituição de arguido, no decurso do inquérito (sempre sem prejuízo de apreciação em sede de instrução), estar-se-ia a entregar a direção do inquérito – aí sim, em violação do princípio do acusatório, proclamado no n.º 5, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, que determina, para além do mais, que a acusação deve ser deduzida por entidade independente daquela (tribunal) que decide a causa. 89. E isto porque se se admitisse que o Juiz de Instrução Criminal, ainda na fase de inquérito, pudesse reapre- ciar, revogando-a, a decisão do Ministério Público de constituição de arguido, estaríamos a permitir que o órgão jurisdicional decisório se pudesse imiscuir – condicionando-a – na direção do inquérito (do que o presente pro- cesso é um bom exemplo), co-exercendo o poder de iniciativa do Ministério Público e participando no exercício da ação penal, restringindo desproporcionadamente faculdades ínsitas nos princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público sem a correlata proteção do exercício de qualquer direito fundamental do arguido. 90. Dito de outra forma, estaríamos a entregar a uma entidade dotada de poder jurisdicional a definição do que de mais essencial existe no inquérito e na atividade de investigação criminal, a saber, o seu objeto (no sentido jurídico-epistemológico), ou seja, a determinação e discriminação da pessoa, suspeita da prática de um crime, que deve ter a qualidade de sujeito processual – com os inerentes direitos e deveres – e cuja acusação ficará dependente daquela definição; entidade à qual atribuiríamos o poder de iniciativa processual (do qual só o Ministério Público pode ser titular), permitindo-lhe, num gesto de promiscuidade processual, conformar o objeto do processo penal e, simultaneamente, julgá-lo. 91. Ou seja, ainda que se admitisse que a interpretação normativa aqui impugnada pudesse comprimir, nal- guma medida, os princípios do direito de acesso aos tribunais e da consagração geral de todas as garantias de defesa num entendimento maximalista do disposto, conjugadamente, nos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, não poderíamos deixar de, ainda assim, concluir que tal compressão mínima se justificaria, face ao vasto prejuízo que, para o pertinente exercício da ação penal e a eficaz condução do inquérito – e, em última análise, para o combate à criminalidade, particularmente a mais grave e mais danosa para o bem público, para a manutenção da paz social e para a boa realização da justiça – adviria da solução contrária. 92. Por força do acabado de explanar, não podemos deixar de concluir que a interpretação normativa impug- nada, no sentido de que “nos termos dos artigos 17.º, 53.º, n.º 2, alínea b) , 118.º a 123.º 262.º, 263.º, n.º 1, 267.º a 269.º do CPP, o JIC não tem competência para conhecer das invalidades processuais dos atos de constituição de arguido e aplicação de TIR, praticados pelo Ministério Público”, não revela qualquer desconformidade com princípios ou regras constitucionais, não violando, nomeadamente, o disposto nos artigos 20.º, ou 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que, conforme já notámos, a competência revogatória jurisdi- cional pode ainda ser exercida, tempestivamente, na fase da instrução. 93. Assim, atento o exposto, e reiterando o já afirmado, entendemos que não deverá o Tribunal Constitucional julgar materialmente inconstitucional a interpretação normativa invocada pelo recorrente, negando, assim, provi- mento ao recurso».
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