TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

470 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 78. Conforme já apurámos, o legislador ordinário, agindo dentro da margem de liberdade de conformação concedida pela Constituição, não só porque entendeu que a opção legislativa plasmada nos artigos 57.º a 59.º do Código de Processo Penal não se revelava violadora de quaisquer direitos fundamentais mas, igualmente, por admitir – em homenagem ao princípio da concordância prática – que a harmonização entre os direitos processuais daqueles contra quem se dirige o processo penal e os conflituantes princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público e interesse na realização da justiça, no combate à criminalidade e na obtenção da paz social, seria nesses termos atingível, optou por admitir que a constituição de arguido opere através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal (sujeita, neste último caso, a validação da autoridade judiciária) e, concomitantemente, que aquelas entidades o sujeitem (sem interven- ção de órgão jurisdicional) a termo de identidade e residência. 79. Dito isto, devemos começar por sublinhar que entendemos que o tratamento da questão sub judice nos impõe, metodologicamente, que procedamos à separação entre a matéria da regulação da constituição de arguido e a da aplicação da medida coativa de prestação de termo de identidade e residência. 80. Com efeito, os dois institutos, apesar de se encontrarem, no presente quadro infraconstitucional, umbili- calmente ligados, na medida em que, por força do disposto nos artigos 61.º, n.º 6, alínea c) ; e 196.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, a constituição de arguido implica, sem mais, a obrigação, por parte do arguido, de prestação de termo de identidade e residência, têm naturezas, objetos e finalidades distintos e apenas se manifestam como automaticamente conectados, por força de uma opção legislativa não vinculada constitucionalmente. 81. O Tribunal da Relação de Lisboa, aceitando que a prestação de termo de identidade e residência decorre automaticamente da decisão de constituição de arguido, a qual, no mais, não só não comprime quaisquer direitos dos cidadãos visados como, pelo contrário, lhes concede os direitos processuais previstos no artigo 61.º, do Código de Processo Penal, avaliou o peso daquela medida coativa especial e concluiu que a sua aplicação não se traduzia na afeta- ção de qualquer direito fundamental (nomeadamente do direito à liberdade ou do direito de deslocação e emigração). 82. Apesar de concordarmos inteiramente com a conclusão alcançada pelo douto tribunal a quo , não deixare- mos de sublinhar que, ainda que se entendesse que a sujeição à prestação de termo de identidade e residência pode- ria revelar algum potencial de compressão de qualquer direito fundamental, tal juízo não poderia ser estendido às normas que regulam a constituição de arguido e que, per se ou por via da sua aplicação, se revelam insusceptíveis de violarem quaisquer direitos fundamentais, designadamente os invocados direito à liberdade ou direito de des- locação e emigração. 83. Isto dito, e separado o momento jurídico-conceptual da constituição de arguido do da aplicação da medida de prestação de termo de identidade e residência, não deixaremos de acompanhar a douta decisão impugnada no sentido do entendimento de que a mera sujeição de um arguido à medida de prestação de termo de identidade e residência não se revela susceptível de, por si só, restringir direitos fundamentais, nomeadamente os já menciona- dos direito à liberdade ou direito de deslocação e emigração. 84. É verdade que a sujeição à medida de prestação de termo de identidade e residência obriga aquele a quem ela tenha sido imposta, para além do mais, a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado à competente autoridade judiciária e, bem assim, a comparecer perante esta sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado. 85. Contudo, parece-nos seguro afirmar que estes constrangimentos, embora relacionados com uma ampla e não jurídica concepção do ideal de liberdade absoluta, não constituem verdadeiras restrições, limitações ou sequer compressões dos direitos fundamentais previstos nos artigos 27.º ou 44.º da Constituição da República Portu- guesa, uma vez que não contendem com qualquer das faculdades integrantes dos direitos de liberdade constitucio- nalmente proclamados e que corporizam os valores cruciais protegidos por tais consagrações, a saber, “a liberdade física, entendida como liberdade de movimentos corpóreos, de «ir e vir», a liberdade ambulatória ou de locomoção e, ainda assim, superiormente delimitada pela liberdade de deslocação e emigração, consagrada no artigo 44.º da Constituição”, nas palavras do ilustre mandatário do recorrente a fls. 464 da Constituição Portuguesa Anotada, Volume I, Jorge Miranda e Rui Medeiros (org.), UCP, 2017.

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