TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
47 acórdão n.º 123/21 ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde e concretizada mediante pedido que obedece a um procedimento clínico e legal previsto no referido Decreto (cfr. supra o n.º 12) – convoca necessariamente, enquanto parâmetro primacial de apreciação desse objeto, a questão da tutela constitucional do direito à vida, sedeada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, aí encabeçando – e constitui um dado pleno de significado – o Título (II da Parte I) que no texto constitucional diz respeito aos direitos, liberdades e garantias (o mesmo sucedendo, sequencialmente, no capítulo I desse Título (Direitos, liberdades e garantias pessoais). Mas a conclusão não poderia ser outra, mesmo no caso de o pedido se dever considerar limitado aos concretos aspetos focados no requerimento – o critério expresso no conceito de situação de sofrimento into- lerável (ponto 6.º) e o primeiro subcritério do segundo critério, correspondente à lesão definitiva de gravi- dade extrema de acordo com o consenso científico (pontos 7.º e 8.º), porquanto se trata, em ambos os casos, de pressupostos centrais (e cumulativos) da solução normativa que estatui a não punibilidade da antecipação da morte medicamente assistida, nessa medida permitindo que tais procedimentos de natureza eutanásica se tornem admissíveis no ordenamento jurídico português (cfr. supra o n.º 13). Ora, todo o procedimento clínico e legal da antecipação da morte medicamente assistida está ordenado ao ato de pôr fim à vida de uma pessoa a seu pedido, seja viabilizando a autoadministração de fármacos letais de forma controlada e em ambiente adequado, seja por via da heteroadministração do mesmo tipo de fármacos em idênticas condições. 24. A referida posição cimeira do direito à vida é evidenciada, desde logo, pelo elemento literal do texto que, numa construção fortemente incisiva, o expressa: «Artigo 24.º Direito à vida 1 – A vida humana é inviolável. 2 – Em caso algum haverá pena de morte.» Essa posição privilegiada é confirmada pela ponderação do contexto que presidiu a uma consagração tão expressivamente forte quanto esta, situando-o – conforme referido pelo requerente – «no core dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos». A redação daquele preceito foi aprovada por unanimidade na Assembleia Constituinte e permanece incólume desde a versão originária da Constituição de 1976 (tendo apenas transitado, por via da nova arrumação do texto decorrente da primeira revisão constitucional, de 1982, do artigo 25.º para o artigo 24.º atual). Nela sobressai o uso do adjetivo inviolável, apenas repetido no texto constitucional, com uma valoração categorial semelhante nos artigos 25.º («[a] integridade moral e física das pessoas é inviolável») e 41.º («[a] liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável») (cfr. Jorge Miranda e Pedro Garcia Marques in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , vol. I, cit. [aqui na reimpressão da 2.ª edição feita pela Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017], anot. I ao artigo 41.º, p. 647). Com efeito, quanto à valoração categorial que dimana dos artigos 24.º, 25.º e 41.º, a inviolabilidade do domicílio, do sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada, indicada no artigo 34.º, diversamente daqueles, vale como formulação menos densa, se se preferir, intrinsecamente mais matizada e, por isso, distinta daquelas, gerando « uma inviolabilidade (que é, como a referem alguns comentadores) de princípio, ressalvadas as restrições previstas [no próprio] preceito », concretamente nos respetivos n. os 2, 3 e 4 (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edi- ção, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 539-540; itálicos acrescentados). A este respeito – distinguindo a força da expressão inviolabilidade no artigo 34.º e no artigo 24.º da Constituição – referem Germano
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