TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

467 acórdão n.º 121/21 sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado à competente autoridade judiciária e, bem assim, a comparecer perante esta sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado. 103. Contudo, parece-nos seguro afirmar que estes constrangimentos, embora relacionados com uma ampla e não jurídica concepção do ideal de liberdade absoluta, não constituem verdadeiras restrições, limitações ou sequer compressões dos direitos fundamentais previstos nos artigos 27.º ou 44.º da Constituição da República Portuguesa. 104. Aqui chegados, admitamos, mesmo assim, como hipótese meramente académica, e sem conceder, que as obrigações decorrentes da sujeição à medida de prestação de termo de identidade e residência se possam revelar sus- ceptíveis de comprimir os direitos fundamentais à liberdade e de deslocação e emigração (o que, repita-se não ocorre, uma vez que não se mostram afetados os limites de conteúdo do bem jurídico constitucionalmente tutelado). 105. Ora, ainda que assim entendêssemos, não poderíamos ignorar que, podendo a eventual compressão daqueles direitos fundamentais decidida, indiretamente, por um magistrado não juiz, e não sujeita, no imediato, a reapreciação jurisdicional, contender, hipoteticamente, com o disposto no n.º 1, do artigo 202.º, da Constituição, a solução oposta, a saber, a da sujeição da decisão de aplicação da medida de prestação de termo de identidade e residência à imediata apreciação (ou reapreciação) do Juiz de Instrução Criminal revelar-se-ia, pelo contrário, indubitavelmente violadora dos princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público. 106. Com efeito, se perspetivarmos o confronto entre a invocada afetação do direito à liberdade, em conju- gação com o princípio da reserva jurisdicional do juiz – resultante da proclamação da competência exclusiva do Ministério Público para, na fase do inquérito, conhecer da invalidade da decisão de constituição de arguido e consequente sujeição à prestação de termo de identidade e residência – e a compressão dos princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público, que ocorreria, necessariamente, se se consagrasse um eventual reconheci- mento da competência do Juiz de Instrução para, em sede de inquérito, reapreciar aquelas decisões do titular da ação penal e do inquérito, não poderemos deixar de apelar, para a resolução de tal conflito, ao procedimento de harmonização ou de concordância prática entre os conflituantes direitos fundamentais e os identificados valores constitucionalmente protegidos, iluminado pelo princípio da proporcionalidade. 107. Na verdade, se se reconhecesse ao Juiz de Instrução Criminal competência para reapreciar e sancionar a decisão tomada pelo Ministério Público da constituição de arguido, no decurso do inquérito (sempre sem prejuízo de apreciação em sede de instrução), estar-se-ia a entregar a direção do inquérito – aí sim, em violação do prin- cípio do acusatório, proclamado no n.º 5, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, à entidade competente para a proteção dos direitos fundamentais dos arguidos e para a prolação da decisão final, retirando-a da esfera de competência da entidade titular da ação penal e da investigação criminal, o Ministério Público, igual- mente competente para a prolação da acusação. 108. E isto porque se se admitisse que o Juiz de Instrução Criminal, ainda na fase de inquérito, pudesse reapreciar, revogando-a, a decisão do Ministério Público de constituição de arguido, estaríamos a permitir que o órgão jurisdicional decisório se pudesse imiscuir – condicionando-a – na direção do inquérito (do que o presente processo é um bom exemplo), co-exercendo o poder de iniciativa do Ministério Público e participando no exercício da ação penal, restringindo desproporcionadamente faculdades ínsitas nos princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público sem a correlata proteção do exercício de qualquer direito fundamental do arguido 109. Ou seja, ainda que se admitisse que a interpretação normativa aqui impugnada pudesse comprimir, nal- guma medida, o direito de acesso aos tribunais, num entendimento maximalista do disposto, conjugadamente, nos artigos 20.º, n.º 1 e 202.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, não poderíamos deixar de, ainda assim, concluir que tal compressão mínima se justificaria, face ao vasto prejuízo que, para o pertinente exercício da ação penal e a eficaz condução do inquérito – e, em última análise, para o combate à criminalidade, para a manutenção da paz social e para a boa realização da justiça – adviria da solução contrária. 110. Por força do acabado de explanar, não podemos deixar de concluir que, ainda que admitamos que a inter- pretação normativa comunicada pelo ora recorrente na resposta ao convite para aperfeiçoamento do seu requeri- mento de interposição de recurso, foi efetivamente aplicada pelo douto tribunal a quo , tal interpretação normativa, no sentido de que “nos termos dos artigos 17.º, 118.º a 123.º e 267.º a 269.º e seguintes do CPP, o JIC, durante o inquérito, não tem competência para conhecer das invalidades processuais dos atos praticados pelo Ministério

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