TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

466 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 93. Sem prejuízo do acabado de explanar, mas apenas por mera cautela e sem conceder, não deixaremos de enfileirar algumas observações sobre a matéria substantiva invocada pelo ora recorrente, não deixando de reiterar as conclusões anteriormente extraídas. 94. O princípio do direito de acesso ao Direito e aos tribunais, proclamado no n.º 1, do artigo 20.º, da Cons- tituição da República Portuguesa, como qualquer outro direito fundamental, não tem uma natureza absoluta. 95. Esta observação interessa, essencialmente, no sentido de contribuir para a compreensão de que, num caso como o que se discute no presente recurso, sendo certo que a Constituição consagra, no seu artigo 20.º, n.º 1, o direito subjetivo de levar determinadas pretensões ao conhecimento de um órgão jurisdicional, não é menos certo que tal direito não estabelece que todas as decisões, de todos os poderes públicos, em todos os momentos proces- suais ou procedimentais, sejam judicialmente impugnáveis e, bem assim, que no confronto com outros direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos não deva (como acontece com qualquer outro direito fundamental), por força da aplicação do princípio da harmonização ou da concordância prática, sofrer uma con- tração que conforme, por via da ponderação, uma distribuição proporcional dos custos do conflito entre direitos fundamentais ou da colisão destes com outros bens constitucionalmente protegidos. 96. Outro entendimento, acrescente-se, nunca poderia merecer consagração constitucional sob pena de recon- dução do Estado de Direito Democrático à total paralisia e à degradação, senão mesmo à destruição dos seus pilares institucionais. 97. Conforme já apurámos, o legislador ordinário, agindo dentro da margem de liberdade de conformação concedida pela Constituição, não só porque entendeu que a opção legislativa plasmada nos artigos 57.º a 59.º do Código de Processo Penal não se revelava violadora de quaisquer direitos fundamentais mas, igualmente, por admitir – em homenagem ao princípio da concordância prática – que a harmonização entre os direitos processuais daqueles contra quem se dirige o processo penal e os conflituantes princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público e interesse na realização da justiça, no combate à criminalidade e na obtenção da paz social, seria nesses termos atingível, optou por admitir que a constituição de arguido opere através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal (sujeita, neste último caso, a validação da autoridade judiciária) e, concomitantemente, que aquelas entidades o sujeitem (sem interven- ção de órgão jurisdicional) a termo de identidade e residência. 98. Dito isto, devemos começar por sublinhar que, distintamente da análise e abordagem que a presente temática mereceu do ora recorrente, entendemos que o tratamento da questão sub judice nos impõe, metodologi- camente, que procedamos à separação entre a matéria da regulação da constituição de arguido e a da aplicação da medida coativa de prestação de termo de identidade e residência. 99. Com efeito, os dois institutos, apesar de se encontrarem, no presente quadro infraconstitucional, umbili- calmente ligados, na medida em que, por força do disposto nos artigos 61.º, n.º 6, alínea c) ; e 196.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, a constituição de arguido implica, sem mais, a obrigação, por parte do arguido, de prestação de termo de identidade e residência, têm naturezas, objetos e finalidades distintos e apenas se manifestam como automaticamente conectados, por força de uma opção legislativa não vinculada constitucionalmente. 100. O Tribunal da Relação de Lisboa, aceitando que a prestação de termo de identidade e residência decorre automaticamente da decisão de constituição de arguido, a qual, no mais, não só não comprime quaisquer direitos dos cidadãos visados como, pelo contrário, lhes concede os direitos processuais previstos no artigo 61.º, do Código de Processo Penal, avaliou o peso daquela medida coativa especial e concluiu que a sua aplicação não se traduzia na afeta- ção de qualquer direito fundamental (nomeadamente do direito à liberdade ou do direito de deslocação e emigração). 101. Isto dito, e separado o momento jurídico-conceptual da constituição de arguido do da aplicação da medida de prestação de termo de identidade e residência, não deixaremos de acompanhar a douta decisão impug- nada no sentido do entendimento de que a mera sujeição de um arguido à medida de prestação de termo de identidade e residência não se revela susceptível de, por si só, restringir direitos fundamentais, nomeadamente os já mencionados, direito à liberdade ou direito de deslocação e emigração. 102. É verdade que a sujeição à medida de prestação de termo de identidade e residência obriga aquele a quem ela tenha sido imposta, para além do mais, a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias

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