TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

463 acórdão n.º 121/21 sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado à competente autoridade judiciária e, bem assim, a comparecer perante esta sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado. 97. Contudo, parece-nos seguro afirmar que estes constrangimentos, embora relacionados com uma ampla e não jurídica concepção do ideal de liberdade absoluta, não constituem verdadeiras restrições, limitações ou sequer compressões dos direitos fundamentais previstos nos artigos 27.º ou 44.º da Constituição da República Portu- guesa, uma vez que não contendem com qualquer das faculdades integrantes dos direitos de liberdade constitucio- nalmente consagrados e que corporizam os valores cruciais protegidos por tais consagrações. 98. Aqui chegados, admitamos, mesmo assim, como hipótese meramente académica, e sem conceder, que as obrigações decorrentes da sujeição à medida de prestação de termo de identidade e residência se possam revelar sus- ceptíveis de comprimir os direitos fundamentais à liberdade e de deslocação e emigração (o que, repita-se não ocorre, uma vez que não se mostram afetados os limites de conteúdo do bem jurídico constitucionalmente tutelado). 99. Ora, ainda que assim entendêssemos, não poderíamos ignorar que, podendo a eventual compressão daque- les direitos fundamentais decidida, indiretamente, por um magistrado não juiz, e não sujeita, no imediato, a reapreciação jurisdicional, contender, hipoteticamente, com o disposto no n.º 2, do artigo 202.º, da Constituição, a solução oposta, a saber, a da sujeição da decisão de aplicação da medida de prestação de termo de identidade e residência à imediata apreciação (ou reapreciação) do Juiz de Instrução Criminal revelar-se-ia, pelo contrário, indubitavelmente violadora dos princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público. 100. Na verdade, se se reconhecesse ao Juiz de Instrução Criminal competência para reapreciar e sancionar a decisão tomada pelo Ministério Público da constituição de arguido, no decurso do inquérito (sempre sem prejuízo de apreciação em sede de instrução), estar-se-ia a entregar a direção do inquérito – aí sim, em violação do prin- cípio do acusatório, proclamado no n.º 5, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, à entidade competente para a proteção dos direitos fundamentais dos arguidos e para a prolação da decisão final, retirando-a da esfera de competência da entidade titular da ação penal e da investigação criminal, o Ministério Público, igual- mente competente para a prolação da acusação. 101. E isto porque se se admitisse que o Juiz de Instrução Criminal, ainda na fase de inquérito, pudesse reapreciar, revogando-a, a decisão do Ministério Público de constituição de arguido, estaríamos a permitir que o órgão jurisdicional decisório se pudesse imiscuir – condicionando-a – na direção do inquérito (do que o presente processo é um bom exemplo), co-exercendo o poder de iniciativa do Ministério Público e participando no exercício da ação penal, restringindo desproporcionadamente faculdades ínsitas nos princípios do acusativo e da autonomia do Ministério Público sem a correlata proteção do exercício de qualquer direito fundamental do arguido. 102. Dito de outra forma, estaríamos a entregar a uma entidade dotada de poder jurisdicional a definição do que de mais essencial existe no inquérito e na atividade de investigação criminal, a saber, o seu objeto (no sentido jurídico-epistemológico), ou seja, a determinação e discriminação da pessoa, suspeita da prática de um crime, que deve ter a qualidade de sujeito processual – com os inerentes direitos e deveres – e cuja acusação ficará dependente daquela definição; entidade à qual atribuiríamos o poder de iniciativa processual (do qual só o Ministério Público pode ser titular), permitindo-lhe, num gesto de promiscuidade processual, conformar o objeto do processo penal e, simultaneamente, julgá-lo. 103. Ou seja, ainda que se admitisse que a interpretação normativa aqui impugnada pudesse comprimir, nal- guma medida, o direito de acesso aos tribunais para assegurar, genericamente, as garantias de defesa em processo criminal, num entendimento maximalista do disposto, conjugadamente, nos artigos 32.º, n.º 1 e 202.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, não poderíamos deixar de, ainda assim, concluir que tal compres- são mínima se justificaria, face ao vasto prejuízo que, para o pertinente exercício da ação penal e a eficaz condução do inquérito – e, em última análise, para o combate à criminalidade, para a manutenção da paz social e para a boa realização da justiça – adviria da solução contrária. 104. Atendendo a tudo o que ficou explanado, não podemos deixar de concluir que, ainda que admitamos que a interpretação normativa comunicada pelo ora recorrente na resposta ao convite para aperfeiçoamento do seu requerimento de interposição de recurso, foi efetivamente aplicada pelo douto tribunal a quo , tal “entendimento normativo dado aos arts. 17.º, 53.º, n.º 2, b) , e 269.º, n.º 1, f ) , todos do CPP, no sentido de que está subtraída

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