TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
462 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 88. Ora, começando por tais imputações, as da suposta violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, que acomodam o princípio das garantias do processo criminal conjugado com o princípio da atribuição aos tribunais, na administração da justiça, da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadão cabe-nos, desde já, proclamar a sua conformidade constitucional nos termos que passaremos a explanar. 89. O princípio da consagração geral de todas as garantias de defesa, proclamado no n.º 1, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, como qualquer outro direito fundamental, não tem uma natureza absoluta. 90. Esta observação interessa, essencialmente, no sentido de contribuir para a compreensão de que, num caso como o que se discute no presente recurso, sendo certo que a Constituição consagra, no seu artigo 32.º, n.º 1, o direito subjetivo de ver genericamente asseguradas, em sede de processo criminal, por um órgão jurisdicional (artigo 202.º, n.º 2), todas as garantias de defesa, não é menos certo que tal direito não estabelece que todas as deci- sões, em todos os momentos processuais penais, sejam judicialmente impugnáveis e, bem assim, que no confronto com outros direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos não devam (como acontece com qualquer outro direito fundamental), por força da aplicação do princípio da harmonização ou da concordância prática, sofrer uma contração que conforme, por via da ponderação, uma distribuição proporcional dos custos do conflito entre direitos fundamentais ou da colisão destes com outros bens constitucionalmente protegidos. 91. Conforme já apurámos, o legislador ordinário, agindo dentro da margem de liberdade de conformação concedida pela Constituição, não só porque entendeu que a opção legislativa plasmada nos artigos 57.º a 59.º do Código de Processo Penal não se revelava violadora de quaisquer direitos fundamentais mas, igualmente, por admitir – em homenagem ao princípio da concordância prática – que a harmonização entre os direitos processuais daqueles contra quem se dirige o processo penal e os conflituantes princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público e interesse na realização da justiça, no combate à criminalidade e na obtenção da paz social, seria nesses termos atingível, optou por admitir que a constituição de arguido opere através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal (sujeita, neste último caso, a validação da autoridade judiciária) e, concomitantemente, que aquelas entidades o sujeitem (sem interven- ção de órgão jurisdicional) a termo de identidade e residência. 92. Dito isto, devemos começar por sublinhar que, distintamente da análise e abordagem que a presente temática mereceu do ora recorrente, entendemos que o tratamento da questão sub judice nos impõe, metodologi- camente, que procedamos à separação entre a matéria da regulação da constituição de arguido e a da aplicação da medida coativa de prestação de termo de identidade e residência. 93. Com efeito, os dois institutos, apesar de se encontrarem, no presente quadro infraconstitucional, umbili- calmente ligados, na medida em que, por força do disposto nos artigos 61.º, n.º 6, alínea c) ; e 196.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, a constituição de arguido implica, sem mais, a obrigação, por parte do arguido, de prestação de termo de identidade e residência, têm naturezas, objetos e finalidades distintos e apenas se manifestam como automaticamente conectados, por força de uma opção legislativa não vinculada constitucionalmente. 94. O Tribunal da Relação de Lisboa, aceitando que a prestação de termo de identidade e residência decorre automaticamente da decisão de constituição de arguido, a qual, no mais, não só não comprime quaisquer direitos dos cidadãos visados como, pelo contrário, lhes concede os direitos processuais previstos no artigo 61.º, do Código de Processo Penal, avaliou o peso daquela medida coativa especial e concluiu que a sua aplicação não se traduzia na afeta- ção de qualquer direito fundamental (nomeadamente do direito à liberdade ou do direito de deslocação e emigração). 95. Apesar de concordarmos inteiramente com a conclusão alcançada pelo douto tribunal a quo , não deixare- mos de sublinhar que, ainda que se entendesse que a sujeição à prestação de termo de identidade e residência pode- ria revelar algum potencial de compressão de qualquer direito fundamental, tal juízo não poderia ser estendido às normas que regulam a constituição de arguido e que, per se ou por via da sua aplicação, se revelam insusceptíveis de violarem quaisquer direitos fundamentais, designadamente os invocados direito à liberdade ou direito de des- locação e emigração. 96. É verdade que a sujeição à medida de prestação de termo de identidade e residência obriga aquele a quem ela tenha sido imposta, para além do mais, a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias
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