TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

46 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – suicídio assistido ou ajudado –, o domínio da ação em tal momento como que é materialmente repartido entre pessoa que decide a antecipação da sua morte, e quem a ajuda na prática do ato de autoadministração do fármaco letal. Bem se pode dizer, portanto, que o procedimento clínico e legal instituído pelo Decreto n.º 109/ XIV no âmbito do qual se desenvolve a morte medicamente assistida pressupõe uma intervenção ativa e decisiva dos profissionais de saúde: sem a colaboração destes e sem o quadro legal-procedimental em que a mesma tem lugar, a antecipação da morte medicamente assistida não é lícita e continua a ser punível criminalmente. Por isso, tal quadro tende, em substância, a aproximar a ajuda à antecipação da morte medicamente assistida de alguém a seu pedido mais da eutanásia ativa direta – a prática por profissionais de saúde dos atos necessários à antecipação da morte dessa pessoa, com a exceção do ato material de administração do fármaco letal –; e a afas- tá-la de um suicídio verdadeiramente autónomo e meramente assistido ou ajudado (cfr. supra o n.º 17, in fine ). 22. Confirmado que a regulação concreta da antecipação da morte medicamente assistida pelo Decreto n.º 109/XIV a integra no horizonte problemático da eutanásia em sentido amplo (e também em sentido próprio, de modo a abranger tão-só a colaboração voluntária na morte de uma pessoa a seu pedido por razões de compaixão, de humanidade ou de solidariedade e com o intuito de proporcionar uma morte tranquila a quem se encontra numa situação de profundo sofrimento – excluindo, por isso, fenómenos como a eutanásia eugénica), torna-se incontornável discutir se a opção legislativa consagrada no respetivo artigo 2.º, n.º 1, se compatibiliza ou não com o direito à vida afirmado no artigo 24.º, n.º 1 da Constituição, pois que praticar a antecipação da morte de alguém, mesmo a seu pedido, ou ajudar alguém a antecipar a sua própria morte implica necessariamente fazer com que essa pessoa morra ou contribuir decisivamente para a sua morte. Por outras palavras, perante a alternativa resultante da opção legislativa em causa no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV entre a prática da ou ajuda à morte medicamente assistida não punível – verificados os pressupostos, cumulativos (ou alternativos) previstos igualmente no n.º 1 do artigo 2.º –, não pode deixar de ser considerado, ao equacionar a conformidade constitucional da norma constante de tal artigo, o parâmetro constitucional relativo ao direito à vida. D) A compatibilidade da antecipação da morte medicamente assistida com a inviolabilidade da vida humana (artigo 24.º, n.º 1, da Constituição) 23. A conclusão anterior mostra que a aparente tentativa de autolimitar o pedido nos termos preconi- zados no ponto 3.º do requerimento – e que assenta na distinção radical entre uma perspetiva puramente conceptual e abstrata, porventura baseada em postulados filosóficos, éticos ou outros, e o que poderia ser considerado como uma perspetiva já (ou simplesmente) jurídico-positiva de uma dada disciplina norma- tiva – não se mostra solvente. A questão de constitucionalidade de saber se, ao consagrar a antecipação da morte medicamente assistida não punível, incluindo os concretos elementos de previsão questionados pelo requerente, se mostra violado o direito à vida, tal como consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, porque respeita ao próprio sentido prescritivo da norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIX, é pré- via a qualquer outra, uma vez que só tem sentido e utilidade discutir vícios que afetem elementos ou partes dessa mesma norma desde que tal norma globalmente considerada, atento o seu sentido prescritivo, possa subsistir à luz do parâmetro constitucional. Com efeito, e como já anteriormente mencionado (cfr. supra o n.º 12), a discussão da conformidade constitucional de condições concretas ou dos pressupostos da própria antecipação da morte medicamente assistida só tem sentido – e utilidade – caso tal antecipação da morte medicamente assistida não seja, desde logo, e em si mesma, considerada incompatível com a Constituição, nomeadamente com o seu artigo 24.º, n.º 1. E isto é assim porque aquela antecipação implica a colaboração voluntária e causal de terceiros, designadamente dos profissionais de saúde e da própria CVA por via do seu parecer favorável (abstraindo já da atuação da IGAS) na morte de uma pessoa a seu pedido. Pelo exposto, a delimitação do objeto do processo antes efetuada – ou seja: a norma do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, ao considerar antecipação da morte medicamente assistida não punível a que

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