TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
459 acórdão n.º 121/21 constitucional consta do art. 26.º, n.º 1, da lei fundamental, uma vez que o arguido passará a ter de parti- lhar informação a partir da qual se poderão inferir rotinas profissionais, locais de férias, opções de lazer e até necessidades de saúde, o que reforça a necessidade do controlo judicial, de forma a dar corpo ao princípio do Estado de Direito Democrático, que assenta na garantia da efetivação dos direitos e liberdades funda- mentais. Q. Acresce, em terceiro lugar, que, nas sociedades modernas, fruto do chamado trial by media, a constituição de alguém como arguido tem uma natureza estigmatizante, já que – como a experiência comum nos ensina – implica a assunção de que sobre a pessoa existem fundadas suspeitas da prática da atividade criminosa, o que leva a que uma parte relevante da comunidade o julgue como culpado da prática de atos criminosos, ou pelo menos da prática de atos altamente censuráveis. R. É assim que não pode ser posto em causa que o ato de constituição de alguém como arguido é susceptível de afetar os seus direitos, designadamente o direito ao desenvolvimento da personalidade, à cidadania c ao bom nome e reputação, valores salvaguardados pelo art. 26.º, n.º 1 da CRP, o que implica que a avaliação da regularidade dessa constituição possa ser submetida a um controlo judicial. Finalmente, sabendo-se que a constituição de alguém como arguido interrompe a prescrição do procedi- mento criminal, a exigência de um controlo judicial desse ato também decorre de um direito fundamental à segurança, que está contemplado no art. 27.º, n.º 1, da CRP, sendo, de resto, um corolário do próprio Estado de Direito. T. Pelo exposto, entendemos que os atos de constituição de uma pessoa como arguida e subsequente prestação de TIR são susceptíveis de afetar direitos fundamentais, designadamente o direito à liberdade e o direito de deslocação, o direito ao desenvolvimento da personalidade, à cidadania e ao bom nome e reputação e à segurança, estando a verificação da existência ou não de irregularidades ou nulidades a tais atos ligadas sujeita à reserva jurisdicional do juiz de instrução. U. Poderá ainda colocar-se a questão de saber se esse controlo não poderia ser feito depois de o inquérito con- cluído, mas a resposta tem de ser dada em função de um princípio de efetividade das garantias constitucio- nais. É que tais atos podem ter os seus efeitos mantidos durante anos, com uma consequente e insuportável afetação ou constrangimento daqueles direitos fundamentais. V. Ora, o art, 2.º da CRP elege como critério a garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e o art. 20.º, n.º 5 da mesma Lei Fundamental assegura o direito dos cidadãos a obter uma tutela efetiva dos seus direitos, o que ficaria irremediavelmente arredado se o controlo judicial só se exercesse depois de terminado o inquérito, quando os efeitos devastadores produzidos por tais atos já não pudessem ser rever- síveis em tempo útil, W. Não há qualquer dúvida que o thema decidendum tem a ver com a existência ou não de uma competência jurisdicional do juiz de Instrução para, durante o inquérito, apreciar nulidades ou invalidades relativas à constituição de uma pessoa como arguida e à subsequente prestação de termo de identidade e residência. Foi esse o objeto do despacho do Senhor Juiz de Instrução, do recurso do Ministério Público, da resposta apresentada pelo ora recorrente e do acórdão recorrido da Relação. Y. As normas convocadas pelo acórdão da Relação – para estabelecer a conclusão de que tal matéria não está submetida à reserva de um Juiz de Instrução Criminal – são os arts. 17.º, 53.º, n.º 2, b) , e 269.º, n.º 1, f ) , todos do CPP. Deste modo, como o recorrente sustentou logo na resposta ao recurso do Ministério Público, e de novo no seu requerimento de 07/01/2020, está em causa o entendimento normativo dado pelo acórdão recorrido aos arts. 17.º, 53.º, n.º 2, b) , e 269.º, n.º 1, f ) , todos do CPP, no sentido de que está subtraída à competên- cia do Juiz de Instrução Criminal a apreciação de nulidades ou invalidades relativas à constituição de uma pessoa como arguida e à subsequente prestação de termo de identidade e residência. Z. Tal entendimento normativo é inconstitucional, porque viola as garantias de defesa, tal como previstas no art, 32.º, n.º 1, da CRP, porque impede o arguido de reclamar a intervenção, em tempo útil, do juiz de instrução para apreciar a legalidade dos atos em apreço, bem como o art, 202.º, n.º 2, da CRP, na medida em que não
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