TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
458 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A previsão dessa sindicância está expressa e concretamente prevista nas als. a) a e) do n.º 1 do art. 268,º do CPP, bem como nas als. a) a e) do n.º 1 do art, 269.º do CPP, mas as ais. f ) de ambos os preceitos legais logo admitem outros atos reservados por lei ao juiz de instrução, E existem outras regras na lei processual penal ou em legislação avulsa que expressamente o prevecm, como, por exemplo, a admissão de assistente (art. 68.º, n.º 3 do CPP), as declarações para memória futura (art. 261.º do CPP) ou a declaração de especial complexidade do processo (art. 215.º do CPP). H. A questão está em saber se a lei consagra ou não um princípio geral que, em certas matérias, defina uma reserva de competência do juiz de instrução, o que entendemos efetivamente acontecer, à luz do art. 17.º do CPP, que estabelece tal reserva do juiz de instrução quanto à pronúncia e exercício de todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, onde há de caber a apreciação do que é atinente a direitos fundamentais dos cidadãos, como se extrai do art. 202.º, n.º 2, da CRP, que estabelece que incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, e da própria natureza do Estado de Direito, que, nos termos do art. 2.º da CRP, é definido em função da garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais. I. À luz dos valores de um Estado de Direito, seria inconcebível que a ação do Ministério Público fosse excluída do controlo judicial (e, por isso, da reserva de competência do juiz de instrução), quando se esteja perante a violação de direitos fundamentais. De resto, julgamos que o acórdão recorrido nem se pronuncia noutro sentido, como decorre da sua exaus- tiva fundamentação no sentido de procurar demonstrar que os atos de constituição de arguido e subsequente prestação de TIR não afetariam quaisquer direitos fundamentais, estando por isso excluídos da reserva jurisdi- cional do juiz de instrução. --- A ofensa de direitos fundamentais - K. A questão crucial é por isso a de saber se os atos de constituição de uma pessoa como arguida e a conse- quente prestação de TIR contendem ou não com direitos fundamentais. L. In casu , o Senhor Juiz de Instrução Criminal entendeu que tais atos afetariam os direitos fundamentais de liberdade e de deslocação. Ao inverso, o acórdão recorrido sustenta que não há qualquer restrição relevante a um direito fundamental, uma vez que o arguido não fica impossibilidade de se deslocar e mesmo de mudar de residência, ficando apenas adstrito à obrigação de comunicar nova residência ou lugar onde possa ser encontrado. M. Vejamos, em primeiro lugar, o direito à liberdade e o direito de deslocação - previstos, respectivamente, nos arts. 27.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1 da CRP em que se funda a posição do Juiz de Instrução Criminal, o que é contrariado pelo acórdão recorrido, com o argumento de que a prestação do TIR não proíbe a deslocação, limitando-se a impor a obrigação de comunicação da deslocação, com indicação do local e da forma como o arguido pode ser contactado durante essa deslocação. N. É verdade que o TIR não impede o direito de deslocação, mas ninguém poderá negar que o condiciona, uma vez que obriga o arguido, quando a ausência for superior a 5 dias, a partilhar com as autoridades o local para onde vai e a forma como pode ser contactado, o que, ademais em relação a períodos tão curtos, pode constranger o arguido, levando-o a adoptar uma conduta diferente daquela que teria se pudesse livre- mente circular sem ter que dar satisfação a ninguém. Acresce que essa prestação do TIR pode manter-se durante anos, condicionando a liberdade de opção do arguido quanto às deslocações que quer fazer, razão pela qual é razoável que tal prestação só tenha lugar nos casos definidos na lei, em particular quando exista fundada suspeita da prática de um crime, o que, atentas as repercussões no direito à deslocação do arguido (e, nessa medida, do seu direito à liberdade), há de poder ser sindicado judicialmente, quando tenha ocorrido irregularidade ou nulidade no ato de constituição de arguido. P. Mas o problema não tem apenas de ser visto sob esse ângulo, sendo talvez até mais importante avaliá-lo à luz do constrangimento severo causado à reserva da intimidade da vida privada e familiar, cuja salvaguarda
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