TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
455 acórdão n.º 121/21 XX. De toda a forma, há que deixar claro que realmente, e por força da Constituição, compete ao Juiz o conheci- mento, durante o inquérito, das invalidades de tais atos em qualquer das leituras que tais disposições admitem relativamente à configuração da intervenção do Juiz de instrução na fase pré-acusatória do processo relativa- mente aos atos que restringem direitos fundamentais. XXI. Numa leitura mais exigente dessa reserva porque mais marcada pela sua origem histórica e significado global e também, ainda assim, pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, a interpretação mais natural será a de que os atos que se prendem com direitos fundamentais são da competência de um Juiz, o qual terá de os autorizar ou mesmo praticar – uma intervenção, assim se pode dizer, necessariamente em Ia palavra (embora necessariamente seguida da possibilidade de uma intervenção a posteriori , quanto ao conhecimento de invalidades dos atos em questão). XXII. O que encontra simultaneamente uma base literal e uma explicação jusfundamental. XXIII. À luz desta interpretação da Constituição, mostra-se, em última análise, questionável a solvabilidade consti- tucional de algumas soluções do CPP como, justamente, as relativas à constituição de arguido e a sujeição a termo de identidade e residência. XXIV. Mas, na mesma leitura, são igualmente inconstitucionais as normas que negam ao Juiz o poder de conhecer as ilegalidades e consequentes invalidades de tais atos. XXV. E, portanto, fica absolutamente demonstrada a inconstitucionalidade da norma ou interpretação normativa aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão recorrido. XXVI. No entanto, importa muito assinalar que, ainda que assim se não entenda, e se admita a constitucionalidade de tais soluções, justamente isso torna absolutamente indeclinável a possibilidade de suscitar a avaliação e decisão judicial da legalidade do ato de constituição de arguido e da sujeição a TIR. XXVII. Pelo que a conclusão pela inconstitucionalidade alegada pelo ora recorrente não está dependente da referida interpretação dos artigos 32.º, n.º 4 da Constituição, alcançando-se igualmente com base em interpretação diversa dessa disposição. XXVIII. Como é a defendida pelos Senhores Professores Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, no estudo que temos vindo a citar e para o qual, na parte pertinente, se remete e se dá por inteiramente reproduzido e que, não obstante, conduz exatamente ao mesmo ponto de chegada. XXIX. Nessa interpretação, inserida na linha de uma “tendência legislativa de flexibilização do princípio da reserva de juiz em sede de limitações de direitos fundamentais que tenham lugar na pendência do inquérito”, “é a circunstância de se considerar que o ato em questão tange com direitos fundamentais que legitima a inter- venção do juiz de instrução. Mas porque tal não sucede com uma intensidade que exija o monopólio judicial da primeira palavra, admite-se que o juiz de instrução intervenha apenas a posteriori , para verificação da legalidade da atuação do Ministério Público ou dos órgãos de polícia criminal”. XXX. É justamente nesta última categoria que se inscreve, designadamente, a problemática do atos de constituição de arguido e consequente sujeição a termo de identidade e residência, em função da existência de razões substanciais para permitir a sua prática, em 1.ª mão pelo Ministério Público. XXXI. No entanto, a conclusão a que se chega é a mesma: já pela interferência de uma vinculação legal, já pelo relevo negativo da constituição de arguido e inerente sujeição a termo de identidade para os seus direitos fundamentais justificam “uma tutela judicial quando o visado se insurja contra a atribuição desse estatuto com fundamento na sua ilegalidade. Tutela judicial que se mostrará justificada pelas normas constitucionais constantes dos artigos 32,º, n.º 4, e 20.º, n. os 1 e 5, da Constituição”. XXXII. Essa conclusão ainda mais clara e indeclinável, se se considerar a questão diretamente à luz do direito de acesso ao Direito e aos tribunais, estabelecido no artigo 20.º da Constituição, pois que este implica o “direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional” (Ac. n.º 363/04), inclusivamente nos “casos em que os particulares pretendem defender jurisdicionalmente os seus direitos ou interesses legalmente protegidos perante os poderes públicos” (Rui Medeiros) e constitui “uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito”(- Gomes Canotilho/Vital Moreira).
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