TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
454 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL V. Por outro lado, em processos em regime de publicidade – como é o presente – e, mais a mais, sujeito a forte pressão mediática, a constituição como Arguido traduz simultaneamente uma inegável e sensível compressão da honra dos visados. VI. A vida pessoal, social e profissional do arguido sofre uma verdadeira convulsão pelo facto de este adquirir tal estatuto processual. VII. Estas circunstâncias naturalmente afetam a paz de espírito do arguido que vive em constante sobressalto, sem saber a próxima medida de coação que lhe será imposta, a próxima notícia que sobre si se publicará ou o pró- ximo emprego ou negócio que perderá por via da espada que tem sob a sua cabeça pelo facto de ser arguido num processo crime, ainda para mais da natureza daqueles que são objeto dos presentes autos. VIII. Acrescendo, ainda, os efeitos económicos de uma tal medida que, para além da possível diminuição de ren- dimentos decorrentes dos danos profissionais que este estatuto acarreta, implica, ainda, que este se defenda, despendendo recursos financeiros para o efeito. IX. Note-se, aliás, que, a partir do momento em que se torna arguido, este passa a poder vir a ser acusado e condenado, podendo vir-lhe a ser, no entretanto, aplicadas, para além do TIR (que, como se verá adiante, já restringe por si, direitos fundamentas) outras medidas de coação, tal como a prisão preventiva. X. Não há dúvida de que o arguido tem a sua liberdade mais afetada do que se não fosse arguido: o seu círculo de direitos fundamentais está, necessariamente, mais comprimido do que estava antes de se sujeitar a tal con- dição processual. XI. Estão em causa diversos direitos pessoais constitucionalmente protegidos, designadamente, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, o direito ao bom nome e reputação (art. 26.º, n.º 1, da Constituição), o direito à segurança (art. 27.º, n.º 1, da Constituição). XII. Além disso, e como o Despacho de fls. 4692 e segs. também afirma e explica, a constituição como Arguido conduz à aplicação de uma medida de coação – o termo de identidade e residência – que também implica uma restrição de direitos fundamentais, mormente, a liberdade de deslocação, a que se pode acrescentar a privacidade. XIII. A decisão de deslocação ou de mudança de residência fica, desde logo, condicionada pelo facto de ter que se comunicar para onde se vai ou onde se está – esta circunstância pode levar a que o Arguido deixe de ir onde queria ir ou vá por menos dias para que não seja obrigado a fazer a comunicação devida. XIV. O dever de comunicação interfere no processo decisório do arguido, de forma dissuasora ou inibidora e, por essa razão, o arguido não é totalmente livre na sua decisão sobre se, quando e como deslocar-se. pelo que o arguido não pode exercer plenamente os seus direitos à liberdade e de deslocação, constitucionalmente pro- tegidos (artigos 27.º e 44.º da Constituição). Estes são restringidos. XV. Aliás, o TIR é uma verdadeira e própria medida de coação, o que, para além das consequências processuais daí decorrentes, exprime o reconhecimento legislativo de que constitui uma limitação da liberdade, na definição das medidas de coação que subjaz ao artigo 191.º, n.º 1 do CPP. XVI. Por outro lado, a obrigação de comunicação do local de residência e das diferentes deslocações que faz no âmbito da sua vida pessoal, familiar, social, profissional afeta o seu direito à privacidade, igualmente previsto na Constituição (art. 26.º, n.º 1). XVII. Estando absolutamente fora de dúvida que os atos de constituição de arguido e de termo de identidade e residência restringem direitos fundamentais, resulta também claro que a negação ao Juiz de Instrução do poder de conhecer, durante o inquérito, das invalidades de tais atos viola os artigos 32.º, n.º 4, e 20.º da Constituição. XVIII. Isto – é bom notar-se – mesmo na lógica do Acórdão recorrido, o qual fundamentou a sua decisão não pro- priamente no facto de os atos de inquérito que se prendem com direitos fundamentais não serem da compe- tência do Juiz de instrução, mas antes no facto de os atos de constituição de arguido e de termos de identidade e residência não são atos que se prendem com direitos fundamentais. XIX. O que impõe a conclusão de que, traduzindo tais atos – para usar a terminologia do acórdão recorrido – afetação de direitos fundamentais, a lógica da decisão recorrida conduziria a inverter a decisão e declarar improcedente o recurso, mantendo a decisão do Juiz de 1.ª Instância.
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