TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
452 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL contraditório, foi o recorrente-reclamante notificado para se pronunciar, sobre tais novos fundamentos de não conhecimento do recurso, articulados pelo Ministério Público no seu parecer. O reclamante sustentou, em síntese, que ambos os enunciados normativos identificados no requerimento de interposição de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (o primeiro dos quais já havia sido admitido, como narrado supra ) preenchem os pressupostos processuais para o seu conhecimento. No julgamento dessa reclamação, em 3 de novembro de 2020, o Acórdão n.º 582/20 decidiu deferir o pedido do recorrente-reclamante, revogar a Decisão Sumária n.º 348/20 e, assim, conhecer também da segunda questão de constitucionalidade invocada nos autos. Em consequência, as partes foram notificadas para alegar, sobre esta parte do objeto então admitida. 6. Assim, nas suas alegações, o recorrente A. formulou as seguintes conclusões, quanto à primeira ques- tão de constitucionalidade (fls. 842-846): “I. A reserva da função jurisdicional aos Tribunais constitui a verdadeira pedra de toque do Estado de Direito, na medida em que por ele se exprime e se garante efetivamente a sujeição não só dos cidadãos como do próprio Estado (em toda a sua organização e atividade) ao Direito. II. As invalidades processuais são o reverso (ou negativo) do princípio da legalidade e decidir sobre invalidades mais não é e mais não significa, pelo menos sempre e em primeira linha, do que decidir sobre a legalidade dos atos processuais, mediante o confronto do ato processual concretamente praticado com o seu modelo legal e uma decisão de conformidade ou não conformidade. III. Podendo suceder que a esse significado e alcance ainda outros se acrescentem, como acontece sempre que o ato processual em causa disser diretamente respeito a direitos dos sujeitos processuais, como paradigmatica- mente o arguido, o assistente ou as partes civis, caso em que na questão da invalidade irão simultaneamente envolvidos direitos desses sujeitos e na decisão sobre ela, uma decisão sobre tais direitos. IV. O conhecimento de invalidades dos atos praticados durante o inquérito, inclusivamente, dos atos do MP, é matéria de jurisdição, competindo, mesmo durante o inquérito, ao Juiz de Instrução Criminal e não MP. V. Logo a um primeiro olhar, é uma verdadeira evidência a integração ou inclusão do conhecimento de invali- dades na “administração da justiça” ou jurisdição que o artigo 202.º reserva aos Tribunais. Sendo inegável que o que nele se trata – sempre! – é de “reprimir a violação da legalidade democrática” (lega- lidade processual penal, naturalmente) e eventualmente mesmo de “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (sempre que estes estejam em causa no ato processual a apreciar) – fun- ções, ambas, que, procurando uma concretização, o artigo 202.º expressamente qualifica como concretizações da administração da justiça. VII. Essa conclusão mantém-se, ainda considerando as diferenciadas noções que, como sempre sucede com tudo o que é hoc sensu fundamental, derivam do aprofundamento e concretização da definição de jurisdição, desig- nadamente as de Castanheira Neves, Afonso Rodrigues Queiró e ainda Rui Medeiros/Maria João Fernandes. VIII. Em suma: o conhecimento de invalidades praticadas durante o inquérito é função reservada do Tribunal (mais exatamente, na atual organização judiciária, do JIC), sendo a sua atribuição ao MP uma violação da reserva da função jurisdicional, inerente ao Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição) e expressa e direta- mente estabelecida no artigo 202.º da Constituição. IX. Sob aspeto nenhum a autonomia do MP exige a atribuição de competência a este, e não ao Juiz, para conhecer das invalidades dos seus atos na investigação pré acusatória. X. Designadamente, o conhecimento de uma invalidade não é um ato de investigação ou recolha de prova, não se incluindo, portanto, na atividade de investigação cuja direção a Constituição entrega ao Ministério Públi- co, dentro do exercício da ação penal. XI. A atribuição de competência para conhecer das invalidades dos atos processuais ao MP e não ao Juiz constitui uma positiva violação da estrutura acusatória (artigo 32. º, n.º 5, da Constituição) – também do direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20. º da Constituição).
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