TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

45 acórdão n.º 123/21 2 – O médico orientador informa e esclarece o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a antecipação da morte, designadamente a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito mas sob supervisão médica, sendo a decisão da responsabilidade exclusiva do doente. [...]». E vale, na concretização do passo definitivo final, a designada administração dos fármacos letais, previsto no artigo 9.º, n.º 2: «[i]mediatamente antes de se iniciar a administração ou autoadministração dos fármacos letais, o médico orientador deve confirmar se o doente mantém a vontade de antecipar a sua morte […]». Deste modo, a distinção entre eutanásia e suicídio assistido assenta no elemento, referido ao paciente, heteroadministração e autoadministração da substância que vai produzir a morte. Antes de se alcançar esse momento ocorre uma decisão do paciente, finalisticamente destinada a obter a sua própria morte, por via de um procedimento de autorização (pelo Estado) desse desfecho (nas duas formas de concretização antes referidas) que é condicionado à verificação das condições elencadas no artigo 2.º, n.º 1. Ou seja, em vista da causação (antecipação, na terminologia legal) da sua morte, a «decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida», encontrando-se a mesma pessoa «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso cientí- fico ou doença incurável e fatal», é apta, enquadrada num determinado procedimento legalmente estabelecido (n.º 3 do preceito), a originar um ato de cariz autorizativo – embora sempre referido como parecer favorável –, protagonizado pela CVA, ato esse que habilita profissionais de saúde a praticarem diretamente ou a ajudarem a ocorrência do resultado final traduzido na morte do doente (vide o trecho final do artigo 2.º). No fulcro da opção legislativa feita pelo Decreto n.º 109/XIV, encontra-se a criação de um procedi- mento geral de enquadramento de pretensões de morte medicamente assistida, em função do qual se cria um grupo de destinatários – aqueles que preencham as condições definidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto – elegíveis para a prática, sob tutela (de legalidade) do Estado, da eutanásia ou do suicídio assistido. 21. A referida opção legislativa, consagrada nos seus traços essenciais no artigo 2.º, n.º 1, do mencio- nado Decreto, reporta-se, assim, na sua substância, a montante da incidência jurídico-penal (que releva apenas consequencialmente como decorrência da instituição daquele procedimento), a uma categoria de práticas de fim de vida que, a par de outras diversas que não relevam para a análise da norma em causa (como a distanásia ou a ortotanásia), «se referem a provocar intencionalmente a morte – pelo próprio e/ou por ter- ceiro (em que se incluem a eutanásia voluntária ativa direta e o suicídio ajudado) – relativas à administração deliberada de substâncias letais» (assim, Lucília Nunes, Luís Duarte Madeira e Sandra Horta e Silva, Suicídio ajudado e eutanásia [Morte provocada a pedido] – Terminologia e sistemática de argumentos . Working Paper , Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, 2018 [atualização janeiro de 2020], p. 7). No núcleo de tal opção encontra-se, pois, a consagração no ordenamento jurídico de certas práticas de fim de vida, manifestando o Decreto n.º 109/XIV a opção do legislador não só de as descriminalizar, em certas condições (por via da mera não punibilidade de condutas que, não fora essa opção, permaneceriam puníveis), mas de as regular – e, assim, de as legalizar – no quadro (e apenas no quadro) de um procedimento administrativo autorizativo e de execução que o próprio Estado institui e regula em todas as suas fases e com intervenção (não apenas, mas sempre) de entidades de natureza pública. No que releva de tal opção legislativa, assumem lugar central os conceitos de eutanásia ativa direta (ou ajuda à morte ativa direta) e o suicídio ajudado ou assistido – que, no regime em apreço, só se diferenciam num elemento muito particular e, porventura, de menor relevo: aquele que detém o controlo da ação e pratica, efetivamente, o ato de antecipação da morte mediante a utilização (autoadministração ou heteroadministração, consoante o caso) de fármacos letais, para mais, e como mencionado, por «decisão da exclusiva responsabili- dade» daquele que é morto com tais fármacos (artigo 8.º, n.º 2). No primeiro caso – eutanásia direta ativa –, o domínio da ação no último momento pertence ao profissional de saúde que pratica o ato de antecipação da morte, administrando (à pessoa que decidiu a antecipação da sua morte) um fármaco letal; no segundo

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