TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

448 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Constitucional, de que a norma assacada de inconstitucionalidade pelo recorrente tenha sido verda- deiramente aplicada, com o sentido invocado no requerimento de recurso para o Tribunal Consti- tucional, na solução processual do caso dos autos, pelo que não pode conhecer-se do mérito desta questão, devendo concluir-se pela sua inadmissibilidade. III – Em face da identificação unívoca do constructo que ambos os recorrentes pretendem ver julgado, além da conexão íntima que os dois recursos guardam entre si, afigura-se claro que os recorrentes atacam a interpretação normativa – reportada aos artigos 17.º, 53.º, n.º 2, alínea b), e 269.º, n.º 1, alínea f ) , do CPP segundo a qual está subtraída ao Juiz de Instrução Criminal (JIC) a competência para conhecer das invalidades processuais dos atos de constituição de arguido e aplicação de Termo de Identidade e Residência (TIR), praticados pelo Ministério Público – que permite que alegadas invalidades processuais que afetam os atos de constituição de arguido e aplicação de TIR, praticados pelo Ministério Público, durante o inquérito, fiquem afastados da competência de cognição do JIC; o que os recorrentes questionam, ao alegarem que o facto de se entender que o JIC não tem competência para, durante o inquérito, conhecer das invalidades processuais dos atos de constituição de arguido e aplicação de TIR é, no fundo, a arquitetura jurídica do processo penal, o papel daquele juiz e o papel do Ministério Público, enquanto titular da ação penal e condutor do inquérito. IV – A primeira premissa necessária ao presente juízo diz respeito ao Ministério Público, que emerge do desenho jurídico-constitucional como um órgão de justiça independente e autónomo que, entre outras atribuições, exerce “a ação penal orientada pelo princípio da legalidade”, recortando-se o esta- tuto do Ministério Público, a partir desta atribuição constitucional específica, combinada com o princípio do acusatório, enquanto único sujeito processual com intervenção necessária no processo e poder exclusivo de direção do inquérito; um excessivo protagonismo do JIC, durante o inquérito, que lhe atribuísse um âmbito de competência alargado, permitindo a reapreciação jurisdicional de todos, ou quase todos, os atos praticados pelo Ministério Público (sem prejuízo de apreciação em sede de instrução), significaria uma inversão do paradigma constitucionalmente estabelecido; isso equivaleria, em grande medida, a entregar a direção do inquérito ao juiz, já não mais juiz das liberdades, mas sim juiz da acusação. V – A segunda premissa necessária ao presente juízo diz respeito ao significado do princípio constitucional da reserva de função jurisdicional (ou reserva de juiz) e o conjunto dos atos que se incluem no seu âmbito de competência, desenhando-se a este propósito, na jurisprudência e na doutrina, duas teses divergentes; para uma primeira tese, a intervenção do JIC na fase de inquérito afigura-se excecional, devendo acontecer apenas relativamente a atos lesivos de direitos fundamentais, previamente consi- derados como tal pelo legislador, cabendo no mais a direção do inquérito ao Ministério Público; uma segunda tese, que lê com maior amplitude os poderes do JIC em fase de inquérito, sustenta a inconsti- tucionalidade da limitação de competência do JIC para, durante o inquérito, controlar atos praticados pelo Ministério Público, se estes forem restritivos de direitos fundamentais. VI – Embora desde o Acórdão n.º 7/87 seja clara a posição deste Tribunal sobre a questão da necessidade de intervenção de Juiz quando se trate da prática de atos lesivos de direitos fundamentais, no quadro do processo penal, tendo a exigência de intervenção judicial no inquérito em relação a atos que afetem direitos fundamentais sido instituída como pilar da arquitetura sistémica que se foi construindo para o processo penal português, daqui nada decorre sobre que atos concretos, no curso do processo, afetam,

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