TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

440 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL contrato de arrendamento pelo senhorio) incluir os estabelecimentos cujo reconhecimento formal vem a ocorrer em data posterior à do previsto termo do arrendamento, por facto não imputável ao arrendatário, não obstante o respetivo procedimento ter sido iniciado anteriormente. Assume este critério normativo, retirado da interpretação da lei aplicável, um sentido inovador e impre- visível que afrontasse a expetativa de se mostrar vedada a aplicação da lei nova à situação dos autos? É possível entender-se que não. Com efeito, na situação dos presentes autos, pode ainda considerar-se que a norma sindicada não afronta expetativas solidamente consolidadas do recorrente, de modo a não poder antecipar a solução normativa encontrada pelas instâncias para a resolução do caso em litígio. Isto, tendo em conta três ordens de razões. Em primeiro lugar, o escopo do próprio regime de proteção das entidades e estabelecimentos com valor histórico e cultural ou social local contido na Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, e, bem assim, do regime tran- sitório nele fixado – em especial, o contido na norma decorrente do seu artigo 13.º, n.º 3 [em conjugação com a nova redação da alínea d) do n.º 4 do artigo 51.º do NRAU, para a qual remete]. Tendo o legislador em 2017 determinado a prorrogação, por um período adicional de cinco anos, dos contratos de arrenda- mento entretanto transitados para o NRAU, obstando à faculdade de os senhorios se oporem à renovação dos contratos vigentes aquando do seu termo, e tendo aquela transição para o NRAU sido possibilitada pelas alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, ao NRAU – afigura-se que, no momento do início da vigência da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, várias podiam ser as situações em que o termo dos contratos viesse a ocorrer ainda antes da decisão municipal dos procedimentos de reconhecimento em curso («nos termos do respetivo regime jurídico»), os quais, em qualquer caso, só poderiam ter sido iniciados nos termos da regulamentação municipal da circunscrição respetiva – em Lisboa, no que releva para os presentes autos, a abertura de candidaturas apenas é possibilitada por via regulamentar a partir de 15 de maio de 2017. A possível e provável coincidência temporal do exercício da faculdade de oposição à renovação em face do termo previsto dos contratos em vigor e dos procedimentos já em curso (como in casu ) ou iniciados após a entrada em vigor da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, constitui um elemento relevante para não se poder corroborar a expetativa de o regime de proteção, em qualquer caso e em quaisquer circunstâncias, apenas incluir as situações em que o procedimento de reconhecimento se mostrasse definitivo na data do termo do arrendamento. Em segundo lugar, o ato de reconhecimento municipal, independentemente da sua qualificação jurídica como ato declarativo ou ato constitutivo – o que não cumpriria a este Tribunal definir –, é sempre dirigido a uma situação pretérita e com algum grau de consolidação, atentos os critérios atinentes à atividade desen- volvida no locado e aos valores patrimoniais materiais e imateriais a observar, pela sua própria natureza impossíveis de concretizar se não por via de uma pré-existente e continuada atividade com relevância para a memória, a História e a identidade do espaço urbano em que se integra. Assim, para a verificação da pre- sença destes interesses, o exato momento do ato administrativo de reconhecimento não se afigura assumir a relevância decisiva que o recorrente lhe parece conferir. Em terceiro lugar, e em face do que antecede, não pode deixar de ser assinalado um certo paralelismo entre o regime de proteção conferido pela Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, e o regime de proteção do património cultural, desde logo incluído na respetiva Lei de Bases, aprovada pela Lei n.º 107/2001, de 7 de junho (isto, sem prejuízo de se reconhecerem as devidas diferenças, como, designadamente, as assinaladas por Rui Duarte, «A Lei n.º 42/2017, de 14/06: uma visão panorâmica – Do procedimento de reconheci- mento de interesse histórico e cultural ou social local, em especial –», in Revista Julgar online , julho de 2017, http://julgar.pt/author/rui-duarte/ ) , por se tratar, num caso como noutro, de regimes de escopo garantístico, que procuram acautelar e preservar os valores patrimoniais na eventualidade de ações (ou omissões) danosas para os bens protegidos. Ora, a este propósito, cumpre recordar que o regime garantístico da LBPC assume, diversas vezes, uma natureza cautelar. Com efeito, para além de a LBPC prever, cautelarmente, a adoção de medidas provisórias ou medidas técnicas de salvaguarda relativamente a bens culturais, mesmo que (ainda) não classificados (artigo 33.º, n.º 1) ou inventariados (o artigo 16.º, n.º 3, dispõe mesmo que «a aplicação

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