TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
438 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL lesão da confiança, em termos análogos aos da determinação da intensidade de uma medida restritiva; (ii) a deter- minação das razões de interesse público (ou quaisquer outras com relevância constitucional) que legitimam a opção do legislador; e (iii) a ponderação dos sacrifícios e benefícios da medida, com vista a ajuizar da razoabilidade da frustração das expectativas dos destinatários. Vale a pena sublinhar que os testes são cumulativos e implicam um ónus de demonstração: numa democracia constitucional, não se presume que as alterações legislativas ofendem a segurança jurídica dos destinatários, nem é legítimo decidir a dúvida a esse respeito contra a constitucionalidade das leis. Pelo contrário, o legislador goza de uma prerrogativa de auto-revisibilidade baseada na alternância política e no devir da realidade, de modo que, «não há [...] um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime em relação a relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados» (Acórdão n.º 287/90). Assim o impõe o respeito pelo princípio democrático. A ofensa ao princípio da proteção da confiança é, por isso mesmo, uma possibilidade residual, reservada por via de regra a domínios da atividade legislativa particularmente sensíveis – aqueles mesmos em que a ordem constitu- cional contém proibições especiais de retroatividade, como sucede com as restrições de direitos (artigo 18.º, n.º 3), a incriminação de comportamentos (artigo 29.º, n.º 1) e os encargos fiscais (artigo 103.º, n.º 3) – e operativa, fora desses domínios, somente a título excecional, quando se trate de um sacrifício intolerável das expectativas dos destinatários da lei.» 16.2. Aplicando esta metódica ao caso dos autos, cumpre primeiramente aferir se a afetação de expecta- tivas, em sentido desfavorável, constitui uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os desti- natários das normas dela constantes não possam contar. Com efeito, tenha-se em conta que a mera invocação de expetativas não basta para se considerar convo- cada a tutela constitucional da confiança dos particulares que o artigo 2.º da Constituição garante. Deve essa confiança corresponder às expetativas que objetivamente decorram dos dados normativos em presença, de modo a poderem considerar-se defraudadas por uma intervenção legislativa com um sentido imprevisível e sem paralelo no domínio legislativo vigente, não podendo ser antecipada pelos seus destinatários. Isto, quer considerando a expetativa do senhorio de ver cessar o arrendamento no termo fixado – que o novo regime de proteção dos estabelecimentos e entidades a que se reconheça um interesse histórico e cultural ou social local vem protelar por um único período adicional de cinco anos –, quer considerando a expetativa do senhorio de ver cessar o arrendamento no termo fixado quando nessa altura ainda não foi proferida a decisão final de reconhecimento da entidade ou estabelecimento, aplicado o específico critério normativo contra o qual se insurge o recorrente, dado pretender sindicar a superveniência de um critério normativo que deriva da inter- pretação feita pelas instâncias das normas legais contidas no artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho e no artigo 51.º, n.º 4, alínea d) , do NRAU, na versão dada pela mesma Lei n.º 42/2017. A resposta quanto ao primeiro pressuposto ou critério acima enunciado deve ser encontrada por via da aplicação dos três primeiros «testes» do controlo judicial da tutela da confiança dos particulares. 16.2.1. O primeiro teste procura aferir se a atuação do Estado, sobretudo do Estado-legislador, encetou comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade. 16.2.1.1. É certo que a expetativa do senhorio de ver cessado o arrendamento na data do seu termo, por via do exercício da faculdade de se opor à respetiva renovação, deriva da reforma legislativa do regime do arrendamento urbano operada pelas significativas alterações que a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, veio trazer nesta matéria (procedendo à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro) e que essa reforma se dirigiu à flexibilização da transição dos regimes de arrendamento vinculísticos ainda vigentes para regimes de arren- damento com duração temporalmente fixada (mesmo na falta de acordo entre as partes ou com oposição do arrendatário), podendo cessar os contratos no seu termo, por iniciativa dos senhorios.
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