TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

436 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL causados pela não decisão da Administração Pública em tempo útil», invocando-se que a interpretação nor- mativa adotada, ao não permitir ao senhorio «que até então conhecia os direitos e deveres que lhe assistiam no quadro legal estabelecido para o arrendamento urbano, fazer quaisquer planos para o futuro, sendo obri- gado a aguardar que a decisão da Administração Pública se torne definitiva» e ficando «prejudicado, afetado e penalizado pelo arrastamento do processo administrativo», tenha o efeito de obviar «de forma intolerável e arbitrária àqueles mínimos de certeza e segurança essenciais ao Estado de direito democrático». Pode considerar-se constituir o critério normativo sindicado uma limitação arbitrária, excessiva e into- lerável nas legítimas expetativas do recorrente, merecedora de um juízo de desconformidade constitucional à luz do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica que um Estado de direito cumpre observar? Vejamos. 16.1. O invocado princípio do Estado de direito, plasmado no artigo 2.º da Constituição – e bem assim os subprincípios que o concretizam, como o princípio da segurança e certeza jurídicas – é um princípio basi- lar da ordem jurídico-constitucional portuguesa, tendo sido, por diversas vezes, convocado como parâmetro de fiscalização da atividade de normação. É que, não se mostrando, por regra, vedada a auto-revisibilidade dos regimes normativos vigentes – em especial, se ditada pela necessidade de atualização do quadro nor- mativo e compreendida no âmbito da liberdade de conformação da realidade democraticamente validada –, certo é que a própria Constituição estabelece limites às inovações legislativas, tendo o Tribunal Consti- tucional assumido o papel de «explicitar o enquadramento constitucional dos limites à repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas e a diferenciá-los em função da intensidade da projeção dos respetivos efeitos sobre a esfera jurídica das pessoas» (Acórdão n.º 751/20). Assim no Acórdão n.º 293/17: «9. De acordo com o entendimento estavelmente firmado na jurisprudência constitucional, o princípio geral da segurança jurídica, amplamente entendido, aponta para o reconhecimento a todo o indivíduo do “direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico” (cfr. Acórdão n.º 345/09). Enquanto refração do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, o princípio geral da segurança jurídica postula, assim, “uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comu- nidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”. Por isso, “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiada opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pes- soas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr., por todos, Acórdão n.º 303/90). Tal como vem sendo configurada na jurisprudência constitucional, a lesão da tutela da confiança exige, num primeiro momento, que, ao editar a norma contestada, o legislador ordinário haja intervindo em sentido contrário às legítimas expectativas que os particulares depositavam na continuidade da ordem jurídica, na sua duração está- vel e na previsibilidade da sua mutação; num segundo momento, tal lesão pressupõe que a solução adotada, para além de implicar uma afetação “intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada” daqueles “mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático” (cfr., por todos, Acórdão n.º 330/93), não encontre justificação na “necessidade de salva- guardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes” de acordo a matriz ponderativa para que aponta o princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 187/13). Ou, nas palavras do Acórdão n.º 195/17, referindo-se à designada vertente prospetiva da segurança jurídica igualmente decorrente do princípio do Estado de direito, considera-se que «o Estado de direito não

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