TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
434 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a defini- ção de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º, n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.» Aplicando esta doutrina ao caso dos autos, cumpre, preliminarmente, ter em conta não corresponder a medida legislativa sindicada a uma intervenção (restritiva) retroativa na esfera dos direitos do proprietário que pudesse convocar a proibição expressa do artigo 18.º, n.º 3, da Constituição. Tem sido entendido que essa proibição constitucional é dirigida aos casos de retroatividade autêntica (ou forte) dos efeitos de aplicação de uma norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, mostrando-se, deste modo, constitucionalmente vedado ao legislador introduzir neste domínio alterações ao quadro nor- mativo vigente que atinjam situações e factos jurídicos plenamente produzidos no passado. Todavia, não é o caso. Com efeito, a norma sindicada – seja considerando a alteração legislativa introduzida por via da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, ao regime dos contratos de arrendamento vigentes, seja considerando o especí- fico critério normativo adotado na decisão recorrida – não tem o alcance de determinar um novo regime para situações plenamente consolidadas à data da entrada em vigor da lei. A norma de direito transitório contida no n.º 3 do artigo 13.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, não foi aplicada a uma situação em que o direito do senhorio já se encontrasse plenamente consolidado na sua esfera jurídica – por, à data da entrada em vigor do diploma, já ter sido formalizada, nos termos legais, a comunicação da oposição à renovação e por, além disso, já ter decorrido o termo previsto para a respetiva efetivação. Diferentemente, no caso dos autos, quer a comunicação de oposição à renovação (em carta datada de 27 de julho de 2017, cfr. fls. 14 com verso, dos autos sub judice ), quer o previsível termo do contrato de arrendamento em causa (30 de abril de 2018), são posteriores à publicação e entrada em vigor do regime estabelecido na Lei n.º 42/2017, de 14 de junho. A tal conclusão não obsta o facto de o critério normativo impugnado admitir como digna de proteção a situa- ção em que o reconhecimento formal como estabelecimento de interesse histórico e cultural ou social local ( in casu , por via da aprovação, pela Câmara Municipal de Lisboa, em 27 de junho de 2018, da Deliberação n.º 403/CM/2018, publicada no 1.º Suplemento ao Boletim Municipal n.º 1272, de 5 de julho de 2018) vem a ocorrer em momento posterior ao do previsto termo do arrendamento. Aliás, a questão da alegada retroatividade da norma aplicada não apenas não encontra respaldo na ratio decidendi do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ora recorrido – tendo, aliás, deixado de merecer refe- rência autónoma na enunciação do objeto do presente recurso a que o recorrente anui em sede de alegações de recurso –, como não deve ser confundida com a questão da alegada inconstitucionalidade (e ilegalidade) da pretensa retroatividade do ato administrativo de reconhecimento do estabelecimento como «Loja com História» a que o recorrente faz menção nas conclusões 21.ª a 23.ª das respetivas alegações de recurso para o Tribunal Constitucional – a qual, para além de também não encontrar suporte na decisão recorrida, não caberia, em qualquer caso, sindicar no âmbito de um recurso de constitucionalidade exclusivamente nor- mativo, como o presente. Deste modo, também o recorrente, em sede alegações de recurso para o Tribunal Constitucional, quando se insurge contra a pretensa retroatividade do ato de reconhecimento, invoca o des- respeito pelo artigo 2.º da Constituição e não, autonomamente, a proibição de retroatividade (forte) contida no n.º 3 do artigo 18.º da Constituição. Assim, não consubstanciando a norma sindicada uma ingerência «retroativa» num direito consolidado do recorrente, não se mostra a mesma expressamente proibida pelo artigo 18.º, n.º 3, da Constituição nos termos supra descritos. 14.9. Resta concluir que não se vislumbra a ocorrência da invocada violação do direito de propriedade plasmado no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, por via de uma alegada restrição ilegítima e não consentida pelo seu artigo 18.º, n. os 2 e 3.
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