TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

432 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de fruição e administração do património ainda protegidos pelo n.º 1 do artigo 62.º da Constituição – e, assim, de constituir uma medida ablativa ou desvirtuar a garantia constitucional da propriedade privada nos seus traços caracterizadores protegidos pela Lei Fundamental. 14.8.1. Foram já anteriormente identificadas as razões de interesse público que justificam a compressão do direito de propriedade – salvaguarda dos valores patrimoniais culturais em presença, gestão urbanística dirigida à salvaguarda do património urbano em articulação com a valorização e revitalização do tecido urbano em que aqueles estabelecimentos ou entidades se inserem –, assim configurando uma credencial constitucional bastante para o condicionamento imposto ao proprietário – cumprindo-se o disposto no artigo 18.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição. Importa agora aferir se, atentas as razões de interesse público acima enunciadas, quando compaginadas com as finalidades e o concreto alcance da medida sindicada, se pode concluir pela adequação, necessidade e proporcionalidade (em sentido estrito) da medida legislativa em causa, de forma a cumprir o essencial do regime material dos limites às leis restritivas de direitos, liberdade e garantias plasmado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Isto, seguindo-se a metódica do triplo teste para aferir da observância do princípio da proporcionalidade, há muito consolidada na jurisprudência constitu- cional e que se mostra assim sintetizada no recente Acórdão n.º 393/20, referindo-se à «proteção conferida pelo regime próprio dos limites às leis restritivas que se encontra definido no artigo 18.º da Constituição, em particular pelo princípio da proibição do excesso acolhido no respetivo n.º 2»: «De acordo com a metódica assente no triplo teste desde há muito seguida na jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdão n.º 634/93), a proibição do excesso supõe que a medida seja adequada aos fins que através dela se prosseguem; que essa medida seja exigida para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para assegurar o mesmo desiderato; e, por fim, que o resultado obtido seja proporcional à carga coativa que a medida comporta, aferida pelo grau de afetação da posição jusfundamental em causa.» Em primeiro lugar, afigura-se que a manutenção do contrato de arrendamento (por via da imposta renovação) se revela uma medida apta e adequada à prossecução dos interesses e valores que se procuram acautelar, ao salvaguardar a permanência no locado do estabelecimento ou entidade a que se possa reconhe- cer um papel relevante na preservação e valorização dos interesses históricos, culturais e sociais associados à atividade ali desenvolvida e às próprias características do locado, já que este reconhecimento é indissociável da atividade daquele estabelecimento ou entidade. O bem locado assume nestes casos o valor de um bem não fungível, sendo a condição e o resultado da atividade nele desenvolvida. Por outro lado, a configuração da medida legislativa sindicada – temporária, limitada a um universo circunscrito e com um reduzido impacto na posição jurídica do proprietário – habilita a conclusão de não ter sido excedido o estritamente necessário para a prossecução do objetivo de propiciar a continuidade (ainda que num universo temporal muito reduzido) da atividade prosseguida no locado com um benefício para a comunidade que largamente extravasa os interesses individuais do arrendatário por via de um mínimo de oneração do proprietário. Dificilmente se encontraria forma igualmente apta para prosseguir os interesses e valores em causa de forma menos gravosa para o proprietário, não se vislumbrando como possível a compagi- nação da prossecução daqueles interesses e valores por via de outros meios que implicassem a imediata deso- cupação do locado, mesmo que acompanhada de uma compensação financeira ao locatário, como sugere o recorrente nas suas alegações de recurso, pese embora se refira à morosidade do procedimento administrativo de reconhecimento do estabelecimento. A medida revela-se assim ainda necessária ou exigível, sendo, aliás, bastante contida nos seus efeitos. E, por fim, naturalmente, encontrando a opção de proteção da posição do arrendatário razões de peso nos valores constitucionais prosseguidos e pesando os benefícios da manutenção do arrendamento não ape- nas para o arrendatário, mas também – e sobretudo – para a comunidade, a oneração do proprietário nos moldes enunciados não se revela, no exercício de um controlo negativo de evidência, desproporcionada ou

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