TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

430 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 14.º, n.º 1). Além do património material, corporizado em bens móveis ou imóveis, é digno de tutela o património imaterial, assente em práticas, usos e técnicas, a que a lei se refere como «aqueles bens imateriais que constituem parcelas estruturantes da identidade e da memória coletiva portuguesa» (artigo 2.º, n.º 4) ou, especificamente, «as realidades que, tendo ou não suporte em coisas móveis ou imóveis, representem testemunhos etnográficos ou antropológicos com valor de civilização ou de cultura com significado para a identidade e memória coletivas» (artigo 91.º, n.º 1). Em grande medida o escopo do regime de proteção previsto na Lei n.º 42/2017 procura salvaguardar os interesses públicos protegidos pelo artigo 78.º da Constituição e os direitos (e deveres) que lhes estão associados. Isto, atentos os critérios de reconhecimento das entidades e estabelecimentos que o legislador ele- geu no artigo 4.º da mesma Lei (na linha, aliás, dos critérios anteriormente estabelecidos a nível municipal, seja no programa «Lojas com História», seja no programa «Porto de Tradição»), por referência à atividade desenvolvida, ao património material e ao património imaterial – distinguindo, designadamente, a longevi- dade, o contributo para a história local, a identidade própria ou a originalidade e diferenciação da atividade desenvolvida; a existência de elementos patrimoniais notáveis, nomeadamente artísticos, seja no local edi- ficado, seja nos respetivos elementos decorativos ou funcionais, seja no próprio acervo; e a importância do estabelecimento ou entidade enquanto referência viva para a cultura local, a memória coletiva e a história e, deste modo, para a construção da identidade do tecido urbano em que se localizam, bem como para a pre- servação e divulgação dos bens culturais patrimoniais ou intangíveis que integram, servindo, assim, o direito da respetiva fruição pelo público. Ora, a permanência do estabelecimento ou entidade no locado, dada a indissociável ligação entre a atividade ali desenvolvida e a preservação e valorização dos valores patrimoniais em presença, serve também a finalidade de proteção dos bens e valores culturais a que o artigo 78.º da Constituição dedica específica atenção. 14.6. Para além da coincidência com os direitos e interesses especificamente tutelados pelo artigo 78.º da Constituição, a medida legislativa sindicada corresponde ainda aos interesses públicos protegidos pelo artigo 65.º (Habitação e Urbanismo) – especificamente os interesses urbanísticos. Com efeito, a manutenção da atividade desenvolvida pelas entidades ou estabelecimentos de reconhe- cido valor histórico e cultural ou social local, na localização original, ao contribuir para a preservação das características identitárias do tecido urbano em que se integra, em especial nos designados centros históricos, constitui também, na relação com os públicos a que se dirige (clientes, utentes, turistas, visitantes), um polo de atração e de (re)vitalização importante para a própria cidade. Não pode deixar de ser assinalada a especial relação que se estabelece entre a preservação do património cultural e a respetiva valorização, propiciando a sua fruição, e entre estas formas de tutela do património e as políticas urbanísticas, designadamente, as dirigidas a uma correta gestão e ordenamento do território, à reabilitação urbana, à preservação da paisagem urbana (no seu conjunto e nos seus elementos notáveis) e à revitalização dos centros urbanos – como, aliás, várias vezes mencionado na legislação do património cultural e na legislação urbanística: tal é o caso do artigo 44.º da LBPC, que convoca as autarquias locais a adotar providências tendentes a recuperar e valorizar, designadamente, zonas, centros históricos e outros conjuntos urbanos, como forma de assegurar que o património cultural imóvel se torne um elemento potenciador da coerência dos monumentos, conjuntos e sítios e da qualidade ambiental e paisagística; ou do regime jurídico fortemente articulado dos planos de pormenor de salvaguarda do património cultural e dos planos de por- menor de reabilitação urbana, tal como previsto no artigo 28.º do Regime jurídico da reabilitação urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, ao estabelecer o «regime dos planos de porme- nor de reabilitação urbana em áreas que contêm ou coincidem com património cultural imóvel classificado ou em vias de classificação e respetivas zonas de proteção», através do qual se pretende articular a proteção e a valorização do património cultural com a reabilitação urbana, servindo fins comuns de preservação e revitalização do tecido urbano.

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