TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

43 acórdão n.º 123/21 global do funcionamento do sistema, por via do relatório de avaliação anual a apresentar à Assembleia da República (cfr. o artigo 26.º). Outra entidade fiscalizadora que sinaliza o compromisso público com o procedimento clínico e legal previsto no Decreto em análise é a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que fiscaliza os proce- dimentos clínicos de antecipação da morte, com poderes para, fundamentadamente, determinar a suspensão ou o cancelamento de procedimentos em curso (cfr. o artigo 22.º, n. os 1 e 2). Para esse efeito, deve o médico orientador remeter-lhe uma cópia do Registo Clínico Especial (RCE; sobre este vide o artigo 3.º, n.º 1) após a consignação da decisão do doente relativa ao método para a antecipação da morte, ou seja, a partir do momento em que se pode passar à administração dos fármacos letais (cfr. o artigo 8.º, n.º 4). A IGAS pode acompanhar presencialmente o procedimento de concretização da decisão do doente, não carecendo para tal de autorização deste último, nem do médico orientador (cfr. ibidem , e sem prejuízo do disposto no artigo 9.º, n.º 1). Finalmente, a IGAS presta à CVA as informações solicitadas sobre os procedimentos de fiscalização realizados relativamente ao cumprimento da lei (cfr. o artigo 26.º, n.º 3). 19. A antecipação da morte medicamente assistida implica, deste modo, a atuação de um procedimento administrativo especial, de caráter autorizativo, destinado a comprovar a verificação das condições de que, nos termos legais, depende o direito de uma pessoa obter a colaboração de profissionais de saúde na antecipa- ção da sua própria morte; ou, na perspetiva destes últimos, de os mesmos poderem envolver-se na preparação e execução de um ato de antecipação da morte de uma pessoa, a pedido desta, sem temerem uma perseguição criminal, visto encontrarem-se, atenta a observância no caso concreto das referidas condições legais, libertos do dever de não matar ou de não prestar ajuda ao suicídio. O procedimento em causa inicia-se com um pedido da pessoa que pretende antecipar a sua morte e desenvolve-se através de um conjunto encadeado de atos que culmina – ou, melhor, pode culminar – com a prática do ato de antecipação da morte, por via da autoadministração de fármacos letais (isto é, pelo próprio doente) ou por administração de tais fármacos diretamente pelo médico ou profissional de saúde sob supervisão médica (heteroadministração). Tal procedimento envolve, nomeadamente: i) o pedido de abertura do procedimento clínico de antecipação da morte, formulado pela pessoa (o doente) que tomou a decisão de antecipar a sua morte, a ser integrado num RCE criado para o efeito (artigos 2.º, n.º 3, e 3.º, n.º 1); ii) a emissão de um parecer fundamentado pelo médico orientador sobre se o doente cumpre todos os requisitos referidos no artigo 2.º (artigo 4.º, n.º 1); iii) caso tal parecer seja favorável, a emissão de um parecer do médico especialista destinado a confirmar que estão reunidas as condições referidas no artigo 2.º, o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza incurável da doença ou a condição definitiva da lesão (artigo 5.º, n.º 1); iv) eventualmente, o parecer de um médico especialista em psiquiatria nas condições previstas no artigo 6.º; v) a emissão do parecer “final” da CVA, funcionando enquanto autorização da ante- cipação da morte medicamente assistida não punível (artigo 7.º); vi) a concretização da decisão do doente, mediante a fixação do dia, hora, local e método a utilizar para a antecipação da sua morte (artigo 8.º); vii) a prática do ato de antecipação da morte, mediante autoadministração dos fármacos letais – que corresponde à antecipação da morte ajudada por profissionais de saúde – ou a sua heteroadministração – a antecipação da morte praticada por profissionais de saúde (artigo 9.º); e, ainda, a jusante, viii) a elaboração de um relatório final pelo médico orientador ao qual é anexado o RCE, a remeter por aquele à CVA e à IGAS. Refira-se, em todo o caso, que as intervenções para a emissão de parecer, com exceção da intervenção do médico orientador (e, sendo caso disso, também do médico especialista em psiquiatria), não preveem expressamente uma relação direta (um exame clínico ou contacto direto) entre os intervenientes nessa fase – médico especialista e CVA – e o doente. No quadro deste procedimento, a decisão da pessoa de antecipar a sua morte mencionada no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto – estritamente pessoal e indelegável – tem expressão reiterada ao longo da marcha do procedimento, pelo menos, em seis (eventualmente, sete) momentos do procedimento administrativo de preparação e de execução. Primeiro, através da formulação do pedido de abertura do procedimento clínico,

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