TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

429 acórdão n.º 115/21 A estabilidade e continuidade da exploração comercial no prédio arrendado serve, assim, em última aná- lise, a proteção da própria atividade comercial ali exercida, cuja tutela pode encontrar referente em normas constitucionais (designadamente no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição). Todavia, perante a especificidade do estabelecimento instalado no prédio arrendado – estabelecimento comercial de efetivo interesse histórico –, a medida legislativa sindicada, quando introduz uma compressão da liberdade negocial nos arrendamentos comerciais habilitando a manutenção da relação arrendatícia e, assim, a permanência do locatário no locado por período temporal superior ao pretendido pelo proprietário/locador, serve específicos bens e interesses gerais constitucionalmente tutelados, neles encontrando justificação. 14.5. No que respeita a tais bens e interesses – em conformidade com o invocado na Exposição de Moti- vos do Projeto de Lei n.º 155/XIII (1.ª), supra transcrita (cfr. supra , 10.3) e com relevância para a análise da questão colocada nos autos –, a medida legislativa sindicada apresenta o específico propósito de salvaguarda dos valores históricos e culturais e sociais locais associados à atividade comercial exercida no locado. Recor- de-se que o universo abrangido pela «proteção» conferida pela Lei n.º 42/2017, de 12 de junho, e especifica- mente pela norma contida no n.º 3 do artigo 13.º da mesma Lei aqui em análise, não se dirige a todos ou à generalidade dos arrendamento celebrados para outros fins (que não habitacionais), mas apenas àqueles em que «existe no locado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, nos termos do respetivo regime jurídico». Ora, também a este respeito encontramos uma credencial constitucional (na expressão do Acórdão n.º 148/05) para a impugnada «restrição» do direito de propriedade. Com efeito, a preservação e valorização dos estabelecimentos e entidades «de interesse histórico e cul- tural ou social local» não pode deixar de convocar a proteção constitucional do património cultural, tarefa primeiramente (embora não exclusivamente) cometida ao Estado, logo em sede de enunciação das respetivas tarefas fundamentais. Assim, a alínea e) do artigo 9.º da CRP incumbe o Estado de «proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território». E, por imperativo constitucional decorrente do artigo 78.º (Fruição e criação cultural), onde se estabe- lece que todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural (n.º 1), cabe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais, incentivar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de ação cultural, apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e coletiva, promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, desenvolver as relações culturais com todos os povos e articular a política cultural e as demais políticas sectoriais (n.º 2). A salvaguarda e valorização do património cultural compreende o património cultural material e imate- rial, a que a Lei de Bases do Património Cultural [Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro (LBPC)] dedica, em especial e respetivamente, os seus títulos IV e VIII. Na definição do seu objeto (artigo 1.º), a lei «estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, como realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura» (artigo 1.º, n.º 1), sendo que a política do património cultural compreende as ações do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais e demais Administração Pública (artigo 1.º, n.º 2). Integram o património cultural «todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesses cultural relevante, devam ser objeto de proteção e valorização» (artigo 2.º, n.º 1); por seu turno, o interesse cultural relevante, «designadamente histórico, paleontológico, arqueológico, arquitetónico, lin- guístico, documental, artístico, etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens que integram o património cultural refletirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singu- laridade ou exemplaridade» (artigo 2.º, n.º 3). Isto, à escala nacional, regional ou local (os bens podem ser classificados como bens de interesse nacional, de interesse público e de interesse municipal, segundo o artigo 15.º, n.º 2). Consideram-se bens culturais «os bens móveis e imóveis que, de harmonia com o disposto nos n. os 1, 3 e 5 do artigo 2.º, representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura» (artigo

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