TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

428 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, a limitação dos poderes dos senhorios encontra sobretudo justificação nas razões de utilidade social decorrentes da finalidade dos próprios arrendamentos. Nesse sentido, o Acórdão n.º 22/09 (reto- mando o ponderado no Acórdão n.º 225/03): «Como o Tribunal disse no Acórdão n.º 225/03, publicado no Diário da República , II Série, de 27 de janeiro de 2004, preocupação social subjacente a esta orientação prende-se primacialmente, ainda que não exclusivamente, com os arrendamentos para habitação, domínio onde são particularmente relevantes as responsabilidades consti- tucionais do Estado (cfr. artigo 65.º da CRP), designadamente na veste de legislador. Quanto ao arrendamento urbano para habitação, a regra da renovação automática do arrendamento contra a vontade do senhorio, defende não só o interesse do concreto inquilino e seus familiares na estabilidade da disposição de um lugar para viver, como o interesse público de dar satisfação adequada às carências habitacionais existentes. No que se refere ao arrenda- mento para comércio, indústria ou profissão liberal, com essa regra a lei pretende garantir, como diz Pereira Coelho ( op. cit. , p. 70) “a continuidade da exploração comercial ou industrial ou da profissão exercida no prédio arrendado, facilitar a circulação da empresa (de que o direito ao arrendamento constitui, por vezes, o elemento mais impor- tante e defender a integridade do valor económico do estabelecimento ou a profissão liberal do arrendatário, valor criado por iniciativa deste e que poderia ser considerado afetado se o comércio, indústria e profissão liberal tivesse de passar a exercer-se em local diferente. Trata-se, pois, fundamentalmente, de proteger o interesse do arrendatário para comércio e indústria ou exercício de profissão liberal e ainda, reflexamente, o interesse geral, dado o valor social de que as respetivas atividades se revestem.” (…) Assim, em qualquer destes tipos de arrendamento, é possível discernir para a imposição da renovação obrigató- ria do contrato ao locador uma utilidade social – isto é, que transcende o interesse do concreto locatário – direta e imediatamente correlacionada com o fim contratual típico em função do qual o regime jurídico se define.» E recentemente – ainda que a propósito do direito de preferência legal – teve o Tribunal Constitucional a oportunidade de voltar a equacionar (e identificar) os interesses relevantes em presença nos arrendamentos (de acordo com as finalidades prosseguidas). Fê-lo no Acórdão n.º 299/20, tirado em Plenário (cfr. 7. e segs.): «7.(…) No âmbito do arrendamento de prédios urbanos, o direito de preferência surge enquadrado num conjunto de medidas restritivas da liberdade contratual destinadas a proteger os arrendatários dos efeitos negativos do carácter temporário da locação. A intervenção estadual neste domínio, em resposta aos problemas económicos e sociais sub- sequentes à primeira guerra mundial, iniciou-se com medidas legislativas que impuseram a renovação obrigatória do arrendamento urbano em favor do arrendatário e restrições ao direito de denúncia do senhorio e à liberdade de se convencionar aumentos de rendas acima de determinados montantes. Foi no contexto desse regime protetor dos “arrendamentos vinculísticos”, que compreendia como característica fundamental “a prorrogação legal automática do contrato”, que o direito de preferência do arrendatário foi reconhecido, pela primeira vez, pelo artigo 11.º da Lei n.º 1662, de 4 de setembro de 1924. Assim, a primeira justificação para a consagração legal do direito de ser preferido na venda do local arrendado para fins comerciais ou industriais começou por se encontrar dentro da índole geral do direito de preferência: extinguir ónus ou restrições que prejudicam o melhor aproveitamento do imóvel arrendado. (…). Modernamente, a atribuição ao arrendatário do direito de preferência justifica-se pelo interesse social das ativi- dades prosseguidas no local arrendado, as quais implicam estabilidade e continuidade da exploração comercial ou industrial ou da profissão liberal no prédio arrendado, tutelando, além do interesse económico do arrendatário, outros interesses, como a preservação de postos de trabalho, dos clientes ou utentes dos estabelecimentos e das atividades ins- taladas no local arrendado. Como refere Agostinho Cardoso Guedes, «aqui, desvaloriza-se a propriedade do senhorio em detrimento de um outro valor: a proteção da atividade produtiva ou comercial – a proteção da empresa, numa palavra» ( O Exercício do Direito de Preferência, Porto, Publicações Universidade Católica, 2006, p. 73). (…)»

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