TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
426 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2010, p. 855) concluiu que «a atividade económica de mera administração e fruição de bens próprios constitui uma simples manifestação do direito de propriedade, reconduzindo-se ao art. 62.º, n.º 1». Tenha-se, contudo, presente que, como não deixa de ser assinalado na jurisprudência acima citada, o direito de propriedade, nas suas diversas faculdades, incluindo os poderes de fruição e administração como sucede nos presentes autos, não assume, em qualquer caso, um valor absoluto ou de preeminência em face de outros direitos e valores que se lhe contraponham, sendo pacífico afirmar que a tutela constitucional do direito à propriedade não é incompatível com a compressão desse direito, «desde que seja identificável uma justificação assente em princípios e valores também eles com dignidade constitucional» (Acórdão n.º 391/02, ponto 5). Como escreve o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro («O direito de propriedade privada na jurispru- dência do Tribunal Constitucional», in Relatório português apresentado à Conferência Trilateral Espanha/Itália/ Portugal, outubro 2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/ctri.html ) : «Para além da necessária articulação com outros direitos da esfera económica e social, expressivos de interesses coletivos ou gerais potencialmente contrastantes com os do sujeito proprietário, a inserção constitucional dá-nos uma primeira nota de colocação do direito de propriedade num campo privilegiado de incidência de valores, tarefas e objetivos programáticos do Estado de direito democrático – com destaque para os da “realização da democracia económica, social e cultural” (art. 2.º da CRP) e da promoção da “igualdade real entre os portugueses” [alínea d) do art. 9.º] – de que decorrem exigências conformadoras e limitativas do direito do titular. Por esta envolvência normativa, imediatamente convocada, logo a nível formal-sistemático (e explicitamente apontada no enunciado do n.º 1 do art. 62.º, na sua parte final) fica claro que a consagração constitucional do direito de propriedade pri- vada não tem a função legitimante, que nas constituições liberais exclusivamente lhe cabia, de garantia absoluta do interesse privado do proprietário, importando antes uma injunção de composição da ordem dos bens, no quadro da qual esse interesse deve ser regulativamente equilibrado com interesses antagonistas ou concorrentes, também constitucionalmente credenciados, de terceiros ou da coletividade, em geral. 14.3. A situação dos autos sub judice é ilustrativa da contraposição de direitos e interesses dos senhorios e arrendatários – no caso, quanto à duração e termo do contrato de arrendamento, contrapondo-se ao interesse do senhorio na cessação do arrendamento, porventura com vista à recolocação no mercado do bem locado, o interesse do inquilino na permanência no locado. Como se escreveu no Acórdão n.º 280/01 (embora por referência a um arrendamento habitacional): «5. O regime jurídico da relação arrendatícia (particularmente, no âmbito do arrendamento urbano) consubs- tancia um polo de tensão, no qual se procura a composição juridicamente sustentável dos interesses do titular do direito sobre o imóvel (senhorio) e do arrendatário (titular do direito à habitação). Neste quadro de posições diver- gentes, as soluções limitadoras de direitos de uma das partes, para além da compensação contratual devida, hão de sempre encontrar fundamento legitimador numa dimensão prevalecente dos interesses do outro contraente. É na correta articulação das duas posições que se encontrará o equilíbrio juridicamente pretendido.» Desde logo, a situação dos autos enquadra-se no leque de situações em que é possível «identificar ou eleger um uso típico ou predominante ( v. g. a habitação, a atividade comercial e industrial, o exercício de profissão liberal, a agricultura, a silvicultura, a pecuária) que imediatamente convoque a imposição constitu- cional de políticas públicas que possam ser prosseguidas com um regime contratual em que a vontade ou o interesse do locador (geralmente, o proprietário) deva ceder perante a vontade ou o interesse contraposto do inquilino» (assim, Acórdão n.º 22/09). O interesse contraposto do inquilino é dirigido à preservação e valorização do estabelecimento comer- cial, universo composto por elementos diversos, reportados ao ativo ou ao passivo, consoante constituam direitos ou obrigações. De acordo com a sistematização proposta por Menezes Cordeiro (“Estabelecimento Comercial e Arrendamento”, in Estudos Em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, III
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