TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
425 acórdão n.º 115/21 propriedade, de acordo com o âmbito de proteção constitucionalmente garantido. Isto, já que, não obstante a falta de densificação do n.º 1 do artigo 62.º da CRP, referindo apenas expressamente a garantia de acesso à propriedade, de transmissão da propriedade e de não privação (arbitrária) da propriedade, podem considerar-se protegidas as faculdades de uso e fruição do património, enquanto manifestações de autonomia pessoal. Como se escreveu no Acórdão n.º 387/19: «É sabido que que o direito de propriedade apresenta uma estrutura complexa, desdobrando-se em várias faculdades, apesar de complementares e convergentes. De acordo com o Acórdão n.º 148/05, 3.ª Secção, ponto 7, «não sofre dúvidas que a Constituição garante explicitamente no art.º 62.º três componentes: (i) o direito de aceder à propriedade; (ii) o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade; (iii) o direito de transmissão da propriedade inter vivos ou mortis causa ». Assim, para além do direito à propriedade e à sua transmissão em vida ou por morte, a que alude expressamente o n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, a garantia constitucional da propriedade contempla também uma garantia de permanência concretizada no direito à não privacão arbitrária do direito de propriedade de que se e titular, numa dimensão perentória de tutela do “adquirido”. Esta dimensão não esgota, porém, o campo aplicativo do regime definido para os direitos liberdades e garantias (vide Acórdão n.º 159/07, Plenário, pontos 11 e 13). São ainda pacificamente incluídos no feixe das faculdades protegidas pela garantia do direito de propriedade privada cons- tante do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, os poderes de uso e fruição, ainda que não expressamente nomeados. A este respeito, o Acórdão n.º 127/13, 3.ª Secção, ponto 6, esclarece: «Apesar de a liberdade de uso e fruição dos bens de que se é proprietário não ser expressamente mencionada no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, no seu núcleo essencial, esta faculdade integra naturalmente o direito de propriedade quando este respeita ao universo das coisas. Todavia, são particularmente intensos os limites constitucionais quanto a este aspeto, podendo a lei estabelecer limitações dos poderes do proprietário usar a coisa credenciadas nos demais valores constitucionais. Aliás, pode até afirmar-se que o jus utendi constitui, no conjunto das faculdades inerentes à proprietas rerum , aquela que pode considerar-se mais necessitada de deter- minações de conteúdo e mais passível de limitações, seja na própria modelação dos poderes do proprietário no confronto com direitos de terceiro (p. ex. relações de vizinhança), seja os que decorrem da compatibilização com outros valores constitucionais [p. ex. dever de uso (artigo 88.º)] e condicionamento (artigo 90.º, n.º 2) de meios de produção, ambiente, urbanismo, segurança e saúde públicas, património cultural e natural». Com efeito, reconduzindo-se o direito de propriedade a um direito de natureza análoga à dos direitos, liberda- des e garantias «naquilo que represente de espaço de autonomia perante o Estado» (Jorge Miranda, ob. cit. , loc cit. ), só é possível encontrar sentido numa tal garantia (de autonomia na esfera patrimonial da titularidade) quando associada a possibilidade de utilização dos bens livre e no interesse próprio.» No caso dos autos, a invocada compressão do direito do proprietário decorre da assinalada dilação do direito de se opor à renovação do contrato de arrendamento atingido o seu termo, o que tem por efeito a renovação forçada do mesmo por um período de cinco anos (ou a sua prorrogação pelo mesmo período, o que não é substancialmente diverso), obstando-se assim ao exercício de uma faculdade contratual. Tal faculdade contratual não pode deixar de se considerar abrangida nos poderes de administração do património ainda con- tidos na esfera de proteção do direito em causa. Deste modo, a jurisprudência constitucional portuguesa tem afrontado questões de constitucionalidade com algumas afinidades com a que nos ocupa – prorrogação forçada do arrendamento, limites ao direito de denúncia do senhorio – ponderando a possível afetação do direito de propriedade constante do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição (assim, designadamente nos Acórdãos n. os 147/05 e 148/05; chamando também à colação o direito de iniciativa económica privada previsto artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, o Acórdão n.º 151/ 92). Na doutrina, Evaristo Ferreira Mendes (cfr. Jorge Miranda/Rui Medei- ros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, anotação ao artigo 61.º, Coimbra, Coimbra Editora,
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