TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL determinado instituto a adotar pelo legislador ordinário, referência essa que teria que constar do articulado da CRP. Como nenhuma constituição é apenas um texto, a autorização que a Constituição portuguesa confere para que um determinado direito venha a ser, por lei, restringido, não pode ser entendida, assim, nesses apertados termos, como uma exigência de textualidade». A colocação sistemática do direito constitucional de propriedade no âmbito dos direitos económicos, sociais e culturais e a proteção “nos termos da Constituição” acentuam considerações objetivas que contribuem para a defi- nição do seu conteúdo e limites. Com efeito, o âmbito de proteção daqueles direitos fundamentais acolhe valores e interesses sociais que devem ser ponderados quando em confronto com o direito de propriedade privada, como acontece como o direito à habitação (artigo 65.º) e o direito ao ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º), assim como com os diversos regimes específicos de propriedade que a Constituição recorta em função da individualidade e destinação do respetivo objeto (artigos 65.º. n.º 4, 88.º, 94.º, 95.º, 96.º), que preveem restrições que encontram justificação na aptidão da propriedade para a prossecução de interesses sociais. De modo que, tal como os demais direitos fundamentais, o direito de propriedade pode ser restringido por «razões sociais», nos termos que relevam do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, ou seja, por razões de importância constitucional. O que está vedado são intervenções legislativas restritivas do direito de propriedade, tendo em vista a prossecução de valores e interesses que não gozem, também eles, de proteção da Constituição. A dependência do direito de propriedade de um enquadramento social vinculativo é constante na jurispru- dência do Tribunal Constitucional, que admite restrições ao direito de propriedade baseadas na “cláusula legal de conformação social da propriedade”, mas sem que tal dispense a invocação dos parâmetros constitucionais que acolhem os interesses que lhe subjazem (Acórdãos n. os 76/85, 486/97, 194/99, 329/99, 322/00, 138/03 e 148/05). Nesse sentido, diz-se no Acórdão n.º 421/09: «[A]pesar de a redação literal do preceito constitucional não conter, como é frequente em direito compa- rado, uma referência expressa às funções que a lei ordinária desempenha enquanto instrumento de modelação do conteúdo e limites da “propriedade”, em ordem a assegurar a conformação do seu exercício com outros bens e valores constitucionalmente protegidos, a verdade é que essa remissão para a lei se deve considerar implícita na “ordem de regulação” que é endereçada ao legislador na parte final do n.º 1 do artigo 62.º, e que o vincula a definir a ordem da propriedade nos termos da Constituição. Tal vinculação não será, portanto, substancial- mente diversa da contida, por exemplo, no artigo 33.º da Constituição espanhola (“É reconhecido o direito à propriedade privada (…). A função social desse direito limita o seu conteúdo, em conformidade com as leis.”); no artigo 42.º da Constituição italiana (“A propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que deter- mina o seu modo de aquisição, gozo e limites com o fim de assegurar a [sua] função social (…)”; no artigo 14.º da Lei Fundamental de Bona (“A propriedade e o direito à herança são garantidos. O seu conteúdo e limites são estabelecidos pela lei (...). O seu uso deve servir ao mesmo tempo os bens coletivos”. Embora a Constituição lhe não faça uma referência textual, existirá portanto, e também entre nós, uma cláusula legal da conformação social da propriedade, a que aliás terá aludido desde sempre a jurisprudência constitucional, ao dizer que “[e]stá tal direito de propriedade, reconhecido e protegido pela Constituição, na verdade, bem afastado da conceção clássica do direito de propriedade, enquanto jus utendi, fruendi et abutendi – ou na formulação impressiva do Código Civil francês (…) enquanto direito de usar e dispor das coisas de la manière la plus absolue (...). Assim, o direito de propriedade deve, antes do mais, ser compatibilizado com outras exigências constitucionais” (referido Ac. n.º 187/2001, § 14, citando anterior jurisprudência)». Quer isto dizer que a margem de liberdade do legislador para determinar o conteúdo e limites da proprie- dade é tanto mais alargada quanto mais o objeto da propriedade estiver ao serviço da satisfação de um conjunto diversificado de necessidades sociais e económicas, de acordo com o programa constitucional. Nesses casos, a prossecução dos interesses sociais só pode ser efetuada com diminuição do âmbito dos poderes e faculdades que formam o conteúdo subjetivo da propriedade privada. Por isso, quando a utilização e a decisão sobre um bem não se circunscrevem à esfera do proprietário, antes tocam interesses do todo social, a cláusula de conformação

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