TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
421 acórdão n.º 115/21 A doutrina e a jurisprudência constitucional têm vindo a interpretar esta norma como estabelecendo uma dupla garantia da propriedade privada: uma garantia institucional, que se traduz na proteção da propriedade como instituto jurídico; e uma garantia individual, que protege como direito fundamental posições jurídicas sobre bens de valor patrimonial. Assim se expressa no Acórdão n.º 496/08: «o artigo 62.º da CRP consagra, não apenas direitos fundamentais (com estrutura análoga dos direitos, liberdades e garantias), mas também uma importante garantia institucional». Neste entendimento, a dimensão institucional e objetiva, como garantia de instituto, consubstancia, positiva- mente, uma injunção dirigida ao legislador no sentido de produzir normas que permitam caracterizar um direito individual como propriedade no sentido constitucional e possibilitem a sua existência e capacidade funcional, e negativamente, uma proibição de aniquilar ou afetar o instituto infraconstitucional da propriedade. Como bem refere Maria Lúcia Amaral «a propriedade privada e o direito à sua transmissão, em vida ou por morte, constituem- -se em institutos efetivamente existentes no seio da ordem jurídica portuguesa, pelo que ficam proibidas todas aquelas ações conformadoras dos poderes constituídos – particularmente do legislador ordinário – que venham ou pretendam vir a aniquilar tais institutos, erradicando-os do seio do nosso direito objetivo infraconstitucional» ( Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, Coimbra Editora, 1998, p. 555). Note-se, contudo, que o poder do legislador conformar o instituto da “propriedade” não é absoluto. Para além de ter de respeitar o conteúdo mínimo do instituto recebido e reconhecido pela Constituição, o legislador só pode conformar a “propriedade” «nos termos da Constituição». Significa isto, por um lado, que «o direito de proprie- dade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição (e na lei, quando a Constituição [para] ela remeter ou quando se trate de revelar limitações constitucionalmente implícitas) por razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, econó- micas, de segurança, de defesa nacional» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, C onstituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 801); e por outro, que o legislador tem a obrigação de «con- formar o instituto, não de qualquer modo, mas tendo em conta a necessidade de o harmonizar com os princípios constitucionais no seu conjunto» (Rui Medeiros, in idem /Jorge Miranda (org), Constituição Portuguesa Anotada , Vol. I, 2.ª edição, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, p. 1245). Deste modo, a garantia constitucional articula-se expressamente com as funções desempenhadas pela lei na conformação do conteúdo e limites da propriedade: o direito de propriedade «tem de se compaginar com os outros imperativos constitucionais, sofrendo as limitações impostas por estas exigências» (Acórdão n.º 345/09). Por isso, a parte final do n.º 1 do artigo 62.º «significa que, neste domínio, a liberdade de conformação legislativa se encontra particularmente vinculado ao cumprimento de certos limites constitucionais: o poder legislativo está obrigado pela CRP a “conformar” a “propriedade”, mas só o pode fazer nos “termos” por ela mesmo definidos, ou seja, tendo em linha de conta o sistema constitucional no seu conjunto» (Acórdão n.º 496/08). Assim, por força do próprio artigo 62.º, quando garante a propriedade “nos termos da Constituição”, a ati- vidade do legislador na determinação do conteúdo e limites do direito de propriedade encontra-se submetida a limites explícitos noutros normativos constitucionais, mas também a limites não expressos, “decorrentes de outras regras e princípios constitucionais, que vão desde os princípios gerais da constituição económica e financeira (entre os quais as obrigações fiscais: art.º 103.º), até aos direitos sociais (defesas do ambiente, do património cultural, etc.)» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , p. 802). É certo que o enunciado normativo do artigo 62.º não prevê a possibilidade genérica de intervenção restritiva do legislador para salvaguarda do interesse geral, nem contém sequer explícita reserva de lei restritiva. Apenas em domínios específicos a Constituição prevê expressamente que os atos de ablação da propriedade devem observar os pressupostos e requisitos fixados na lei (artigos 62.º, n.º 1, 65.º, n.º 4, 83.º e 88.º). Tal não significa, porém, que a outras formas de privação da propriedade e às demais restrições ao direito de propriedade, ainda que não expressamente mencionadas, não seja aplicável o regime próprio das restrições, definido no artigo 18.º da Cons- tituição. Como se refere no Acórdão n.º 421/09, independentemente da questão de saber qual o sentido que, em geral, deve ser conferido ao segmento inicial do n.º 2 do artigo 18.º, «parece certo, antes do mais, que a autori- zação constitucional para restringir se não identifica com necessidade de referência textual explícita a um certo e
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