TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

42 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ou precipitada pelo termo da vida. Num caso e noutro sobra por isso problemática a punição do facto em situações concretas em que aquele perigo perde plausibilidade. Isto é, naquelas situações concretas em que – à vista da perda irreversível de sentido da continuação da vida, pela iminência irreversível da morte e pelo caráter incontrolável e insuportável do sofrimento – o exercício da autodeterminação no sentido de pôr termo à vida se afigura “objetivamente razoável”. Em termos tais que o respeito pela dignidade pessoal postula o respeito pela decisão compreensível do paciente» (assim, vide Costa Andrade, Comentário Conimbricense , cit., “Comentário ao artigo 135.º”, § 12, p. 139). Ou seja, desconsiderando em larga medida as diferenças normalmente apontadas, no Decreto n.º 109/XIV opta-se por tratar e valorar indistintamente aqueles tipos de condutas como uma única modalidade de ação: a antecipação da morte medicamente assistida. Esta é regulada sem qualquer distinção de tipo ou grau relativamente ao agente causador da morte. Aliás, a escolha entre a prática da antecipação da morte e a ajuda prestada à mesma reconduz-se, bem vistas as coisas, a uma escolha do “doente” (cfr. o artigo 3.º, n.º 1), a realizar já na fase de concretização da decisão de antecipação da morte – uma fase tardia do procedimento clínico e legal estabelecido no Decreto n.º 109/XIV – quanto ao método a utilizar para antecipar a morte: «a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito mas sob supervisão do médica» (artigo 8.º, n.º 2). C) O sentido e alcance da morte medicamente assistida regulada no Decreto n.º 109/XIV 18. A alternativa resultante da opção legislativa vertida no Decreto n.º 109/XIV – que se projeta no n.º 1 do artigo 2.º – entre a prática ou ajuda à antecipação da morte medicamente assistida não punível deve ser compreendida e enquadrada no âmbito de um complexo quadro de regulação jurídica no qual se integra, em especial, numa dinâmica de interação entre o cidadão-doente e o Estado, um procedimento administra- tivo especial de caráter autorizativo. A finalidade do mesmo é a emissão de um parecer favorável pela CVA, que constitui condição sine qua non do ato (ou operação material) de antecipação da morte. Segundo o artigo 7.º, n.º 1, nos casos em que se apresentem os pareceres favoráveis emitidos previa- mente pelo médico orientador e pelo médico especialista (e eventualmente pelo médico especialista em psiquiatria) – artigos 4.º, 5.º e 6.º – e o doente tenha confirmado na sequência de cada um desses pareceres a sua vontade de antecipar a morte, deve a CVA, a solicitação do médico orientador, emitir «parecer sobre o cumprimento dos requisitos e das fases anteriores do procedimento», no prazo máximo de 5 dias úteis. Caso o parecer da CVA seja favorável, o médico orientador informa o doente do seu conteúdo, após o que volta a verificar se o doente mantém e reitera a sua vontade (artigo 7.º, n.º 4). Só depois, pode o mesmo médico combinar com o doente o dia, hora, local e método a utilizar para a antecipação da morte (artigo 8.º, n.º 1). A antecipação da morte propriamente dita, por via da administração (prática da antecipação da morte a pedido) ou autoadministração (ajuda à antecipação da morte) dos fármacos letais encontra-se prevista e regulada no artigo 9.º do Decreto. A CVA corresponde a um órgão independente criado junto da Assembleia da República e funcionando no âmbito desta para cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 7.º, sendo a sua composição e a disci- plina principal de funcionamento estabelecidas no Decreto n.º 109/XIV (cfr. os artigos 23.º e 24.º). A sua centralidade no procedimento de antecipação da morte medicamente assistida decorre, em primeiro lugar, da função de controlo prévio que lhe é cometida por via da competência para a emissão do parecer que põe termo à fase preparatória daquele procedimento: a antecipação da morte medicamente assistida só pode ser concretizada, caso o parecer daquela Comissão seja favorável (cfr. o artigo 8.º, n.º 1). Ressalta, em segundo lugar, a intervenção a posteriori da mesma Comissão, seja em sede de controlo sucessivo da legalidade de cada procedimento, mediante o relatório de avaliação (cfr. o artigo 25.º, n. os 2 e 3); seja em sede de avaliação

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