TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
41 acórdão n.º 123/21 ordenamentos jurídicos a nível mundial (seja pela sua subsunção ao crime fundamental de homicídio ou a um crime privilegiado de homicídio a pedido da vítima), a eutanásia passiva tem vindo a ser aceite de forma mais generalizada, sendo permitida num número bastante mais alargado de Estados. Distintas da eutanásia em sentido estrito são as situações de suicídio assistido (ou ajuda ao suicídio), em que um terceiro se limita a auxiliar outra pessoa a cometer suicídio. A diferença para os casos de eutaná- sia ativa reside no facto de não ser o terceiro a provocar diretamente a morte de outra pessoa, limitando-se a contribuir para que a mesma consiga pôr termo à própria vida ( v. g. , através do fornecimento de uma substância letal, que é autonomamente ingerida ou injetada pelo próprio suicida). Também esta conduta se encontra criminalizada em quase todos os Estados a nível mundial, embora existam ordenamentos jurídicos que demonstrem uma maior tolerância relativamente a esta prática em comparação com a eutanásia ativa ( v. g. Alemanha, Itália, Suíça e, agora, na sequência da referida decisão do Verfassungsgerichtshof , também a Áustria). Por fim, importa ainda assinalar que existem outras realidades e conceitos que se encontram intima- mente ligados ao tema da morte assistida. Um deles é a ortotanásia (também conhecida como eutanásia ativa indireta), referente às intervenções médicas que, embora se destinem a reduzir as dores do paciente, apresentam o risco de provocar o encurtamento da sua vida. Por sua vez, a distanásia (também designada como obstinação terapêutica) ocorre quando um paciente é mantido vivo de forma meramente artificial e desproporcional, através de tratamentos médicos de suporte à vida que retardam uma morte que se afigura inevitável. 17. Recorde-se que a norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, tal como entendida por este Tribunal, versa sobre o que, para efeitos da lei, se considera antecipação da morte medicamente assistida não punível, contendo, na sua estrutura completa, os elementos de previsão e estatuição já antes identificados. Conforme também já referido, aquele preceito aloja diversas previsões normativas, passíveis de combinação entre si, todas elas conducentes ao mesmo conceito – que o legislador designa como “antecipação da morte medicamente assistida” – e todas elas submetidas ao mesmo regime – correspondente aos trâmites e condi- ções regulados no citado Decreto. Tomando este quadro complexo por pressuposto, não pode deixar de se precisar que o citado artigo 2.º, n.º 1, configura na respetiva facti species , em alternativa, a antecipação da morte medicamente assistida não punível i) praticada por profissionais de saúde; ou ii) ajudada por tais profissionais. O legislador, ao tratar e valorar conjuntamente a vontade de antecipação da morte e os pressupostos em que a mesma pode ser rele- vante, com total abstração, até quase ao termo de procedimento preparatório, do modo de execução do con- creto “ato de antecipação da morte” (a expressão surge no artigo 13.º do Decreto n.º 109/XIV), por via da administração ou da heteroadministração de fármacos letais, tende a estabelecer uma parificação categorial e normativa entre duas práticas de fim de vida, comummente designadas por eutanásia ativa direta e auxílio ao suicídio. Na perspetiva legal, está em causa indistintamente o envolvimento do médico orientador e de outros profissionais de saúde na preparação e na execução do ato de antecipação da morte. Apesar das diferenças estruturais entre aquelas duas práticas, fundadas no «domínio sobre o ato que de forma imediata e irreversível produz a morte» (assim, vide, por todos, Costa Andrade, Comentário ao artigo 134.º , §§ 18-24, pp. 105-109, em especial, o § 23, p. 108, in Figueiredo Dias (dir.), Comentário Conimbri- cense do Código Penal , tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012) – mas no regime contido no citado Decreto, apesar de tudo, muito atenuadas por via da respetiva procedimentalização – , o legislador terá optado por valorizar os momentos de comunicabilidade entre as mesmas, que também existem, e que, dados os pressupostos previstos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma, surgem reforçados: «Estão em causa duas incriminações [– o Homicídio a pedido da vítima, no que se refere à eutanásia ativa; e o Incitamento e ajuda ao suicídio, no caso do suicídio medidamente assistido –] em cuja área de proteção parece irrecusável a presença inter alia do propósito de prevenir o perigo (abstrato) de uma decisão apressada
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