TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

402 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em nome dos princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica, o direito de contar com a extinção jurídica do arrendamento no prazo legalmente previsto, ao mesmo tempo que reconhece o direito da arrendatária ser ressarcida, através do recurso aos tribunais, dos danos causados pela não decisão da Administração Pública em tempo útil. 18. O que não se pode fazer é, por via da interpretação, retorcer a lei de tal maneira que, para não frustrar a confiança e a segurança jurídica da arrendatária, se destroem os mesmos bens na esfera do senhorio. 19. Porém, ao transferir-se, na prática, para o senhorio, a responsabilidade e consequências da ineficiência da Administração Pública, a interpretação de que a ratio legis da alínea d) do n.º 4 do artigo 51.º do NRAU, na redação dada pela Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, abrange a promoção pelo inquilino do processo administrativo próprio de candidatura a tal distinção dentro do prazo normal e expectável para possibilitar a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento em vigor, viola o princípio da segurança jurídica, da boa-fé e a prote- ção da confiança na previsibilidade do Direito, os quais emanam diretamente do artigo 2.º da CRP. 20. Tal como se reconhece à arrendatária, o senhorio necessita de “segurança para conduzir, planificar e confor- mar autónoma e responsavelmente a sua vida”. 21. Um ato administrativo apenas produz os seus efeitos a partir da data em que é praticado – cfr. artigo 155.º do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA). 22. Ao fazer retroagir à candidatura os efeitos que a lei determina para o ato em si, mais não se trata do que uma aplicação retroativa do ato administrativo, não permitida por lei. 23. A aplicação do artigo 13.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, conjugado com a alínea d) do n.º 4 do artigo 51.º do NRAU, quando interpretado no sentido de que, uma vez concedido, o reconhecimento retroage à data do início do procedimento previsto na Lei n.º 42/2017, obvia de forma intolerável e arbitrária àqueles míni- mos de certeza e segurança essenciais ao Estado de direito democrático, pelo que deverá ser entendida como não consentida, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional. 24. Subsiste ainda outro obstáculo à constitucionalidade da interpretação propugnada pelo Tribunal a quo: a indeterminação temporal da restrição do direito do senhorio. 25. Admitir que o senhorio fique vinculado por tempo indeterminado a um contrato de arrendamento a cuja renovação se opôs diligentemente, respeitando a antecedência legalmente imposta, até existir uma decisão defini- tiva sobre a qualificação do locado como “loja com histórica”, seria abrir uma porta escancarada a todos os arren- datários oportunistas que, vendo aproximar-se o termo do seu contrato de arrendamento, pretendessem mantê-lo vigente por tempo indeterminado: bastar-lhes ia candidatar-se a tal distinção. 26. Também por esta razão resulta, s.m.o, a perturbação da paz jurídica que tal interpretação seria apta a gerar, pelo que deve ser reconhecida a sua inconstitucionalidade. 27. Ainda se dirá que o entendimento de que a ratio legis da alínea d) do n.º 4 do artigo 51.º do NRAU, na redação dada pela Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, abrange também a promoção pelo inquilino do processo admi- nistrativo próprio de candidatura a tal distinção dentro do prazo normal e expectável para possibilitar a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento em vigor, suscita a problemática de saber o que se considera “prazo normal e expectável para possibilitar a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento”. 28. Um prazo “normal” e “expectável” revela-se um critério genérico e indeterminado. 29. Sendo que a interpretação defendida pelo Tribunal a quo se baseia na premissa de que se verificou um anómalo, inexplicável e inesperado arrastamento do procedimento administrativo, em momento algum, resultou provado tal “entorpecimento” do processo administrativo de distinção de “loja com história”. 30. Permitir que a alínea d) do n.º 4 do artigo 51.º do NRAU, na redação dada pela Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, abranja situações em que, não tendo ainda sido distinguido pelo município, o inquilino 31. tenha apresentado a candidatura a tal distinção dentro do prazo normal e expectável para possibilitar a deli- beração camarária antes do termo do contrato de arrendamento em vigor coloca diversas questões sobre aplicação desse entendimento ao caso concreto. 32. Não podemos deixar de evidenciar que o legislador – que se presume, nos termos gerais do artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=