TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
40 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sistindo a morte medicamente assistida na administração de fármacos por médico ou pelo próprio doente sob vigilância médica, configurando este caso o suicídio medicamente assistido (artigo 3.º, n.º 2, alíneas a) e b) ; – Por fim, o Projeto de Lei n.º 195/XIV/1.ª, apresentado pelo Deputado único da Iniciativa Libe- ral visava definir e regular as condições em que a antecipação da morte por decisão consciente e expressa, manifestando vontade atual, livre, séria e esclarecida da própria pessoa que, padecendo de lesão definitiva ou doença incurável e fatal, esteja em sofrimento duradouro e insuportável, quando praticada ou assistida por profissionais de saúde, não é punível (artigo 1.º), mediante autoadminis- tração ou administração por médico de fármaco letal (artigo 8.º, n.º 2). Em suma, do conjunto dos projetos de lei apresentados resulta que a expressão eutanásia apenas é utilizada em dois deles – seja nela abrangendo a prática e a ajuda à antecipação da morte (Projeto de Lei n.º 104/XIV/1.ª), seja distinguindo a eutanásia do suicídio medicamente assistido (Projeto de Lei n.º 67/XIX/1.ª). Decerto que a omissão do termo no Decreto aprovado terá tido em conta o receio de que os difíceis problemas colocados por esta realidade, até «na sua incidência especificamente jurídico-penal, [são] muitas vezes obscurecidos pelo clima de paixão em que ocorrem as controvérsias, maxime , quando se depara com o tabu que continua a ligar-se ao uso do termo “eutanásia”» (cfr., Figueiredo Dias, cit. , p. 202, que mais adiante adverte para a necessidade rigorosa de delimitação do contexto problemático em causa – ibidem , pp. 204-205). Daí a importância de clarificar, ab initio , que o núcleo problemático da eutanásia se situa corrente e tipicamente «“no auxílio médico […] à morte de um paciente já incurso num processo de sofrimento cruel e que, segundo o estado dos conhecimentos da medicina e um fundado juízo de prognose médica, conduzirá inevitavelmente à morte; auxílio médico que previsivelmente determinará um encurtamento do período de vida do moribundo”» (vide Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, ob. cit. , anot. XXVIII ao artigo 24.º, p. 533, citando Figueiredo Dias). É este o referente tradicional e fundamental, que está na base das ideias de humanidade e compaixão enformadoras da noção de “boa morte” ou “morte tranquila”, uma morte inevitá- vel, mas sem sofrimento. Como as experiências de direito comparado comprovam, ao menos a questão da ajuda ao suicídio ou do suicídio medicamente assistido – mas não já as da morte a pedido – também tem sido equacionada a partir de uma perspetiva diferente, radicada na autonomia pessoal e na consequente capacidade de autodetermina- ção, mesmo em relação ao fim da vida (vide, muito particularmente, as decisões do Bundesvewrfassungsgeri- cht , de 26 de fevereiro de 2020 [2 BvR 2347/15, em especial, Rn. 210 e 212-213] e do Verfassungsgerichtshof (austríaco), de 11 de dezembro de 2020 [G 139/2019-71, em especial, Rn. 73-74 e 80-81]. Todavia, não foi esse, manifestamente, o caminho seguido pelo legislador português, que não só decidiu tratar conjuntamente a prática da antecipação da morte de uma pessoa a seu pedido e da ajuda à antecipação da morte igualmente a pedido da pessoa que vai morrer (cfr. os artigos 2.º, n.º 1, 8.º, n.º 2, e 9.º, n.º 2, do Decreto n.º 109/XIV), como, sobretudo, manteve a incriminação da ajuda ao suicídio prestada fora das condições previstas no Decreto (cfr. o respetivo artigo 27.º). 16. Mesmo no referido quadro problemático de referência do legislador português é necessário e con- veniente clarificar algumas noções. O termo eutanásia é proveniente do grego e decorre da junção das palavras eu (bem) e thanatos (morte), expressando a ideia de uma “boa morte”. Em sentido amplo, o conceito é usualmente utilizado de forma indiferenciada para abarcar diferentes realidades associadas à morte assistida. Porém, em sentido estrito, é empregue para denominar situações em que um terceiro provoca ativa ou passivamente a morte de outra pessoa. Assim, a eutanásia ativa (direta) traduz-se na ação praticada por uma pessoa destinada a provocar diretamente a morte de outra pessoa, a seu pedido. Ao invés, a eutanásia passiva traduz-se na omissão de uma pessoa (em regra um médico) em adotar medidas de prolongamento da vida de outra, o que irá inva- riavelmente provocar a sua morte. Enquanto a eutanásia ativa se encontra criminalizada em quase todos os
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