TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
397 acórdão n.º 115/21 fazer, por determinação do artigo 13.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, por via do acréscimo de um prazo adicional de vigência do contrato de cinco anos, com a indiscutível aplicação deste regime novo a uma situação pretérita, não ofende, a nosso ver, a proibição da retroatividade consagrada no artigo 18.º, n os 2 e 3, da Consti- tuição da República Portuguesa, segundo os quais: “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (n.º 2); “as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de reverter carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” (n.º 3). Justificando: Pode ler-se in Constituição da República Portuguesa Anotada . Artigos 1.º a 107[º], de Gomes Canotinho [leia-se Canotilho] e Vital Moreira, a página 800: “A colocação sistemática do direito de propriedade, colocado entre os “direitos económicos”, não deixa de ser relevante para efeitos do seu entendimento constitucional. Está muito longe a concepção constitucionalista liberal-burguesa que fazia do direito de propriedade o primeiro dos direitos fundamentais, porque suposta- mente era a condição de todos os outros, a começar pela liberdade. Na CRP o direito de propriedade não faz parte do elenco dos “direitos, liberdades e garantias” (embora goze do respetivo regime, naquilo que nele reveste natureza análoga à daqueles – cfr. artigo 17.º), não senão igualmente despiciendo o facto de nem constituir o primeiro dos “direitos económicos” (...) Não se trata tanto de “desvalorizar” a importância do direito de pro- priedade como de lhe retirar a dimensão quase sacrossanta que lhe era conferida no “individualismo possessivo” e na concepção tradicional conservadora dos direitos fundamentais assente na indissociabilidade da liberdade e da propriedade”. Face ao quadro jurídico-constitucional português, o direito de propriedade consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, pode efetivamente sofrer compressões ou restrições no seu conteúdo, limites e pleno exercício, mormente aquelas que sejam ditadas por indiscutíveis razões de interesse público geral, que o legislador ordinário entenda fazer prevalecer sobre a plenitude dos poderes conferidos ao proprietário, con- forme, em termos de recorte essencial, se encontra expresso igualmente no artigo 1305.º do Código Civil, onde sintomaticamente se refere que “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e dis- posição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. Ou seja, o direito de propriedade não constitui, em si, um direito absoluto, ilimitado e intangível, compor- tando, ao invés, as restrições que, ditadas por interesse público prevalecente, a lei entenda impôr-lhe, num plano de equilíbrio, ponderação e razoabilidade. E indiscutível não ser constitucionalmente permitido ao legislador ordinário, sem uma justificação substanti- vamente adequada, conexa com a rigorosa prossecução de interesses de carácter geral da comunidade, introduzir limitações desproporcionadas aos direitos gerais do proprietário, essencialmente protegido pela previsão do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Da mesma forma, os princípios gerais da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé, já enunciados supra , impedem, a compressão retroativa dos direitos do proprietário, que se revele gravosa, desequilibrada, impon- derada, descriteriosa e intolerável. Conforme se referiu no acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de outubro de 1990 (relator José de Sousa Brito), publicado in www.tribunalconstitucional.pt , “apenas uma retroatividade intolerável, que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de pro- teção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático”. Volvendo ao caso concreto em análise, entendemos não existir na interpretação e aplicação do preceito legal em referência qualquer afetação particularmente sensível e profundamente gravosa do núcleo essencial do direito de propriedade atribuído ao senhorio que permita sustentar com êxito a inconstitucionalidade arguida pelo apelante.
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