TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
392 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na situação sub judice , a inquilina candidatou-se em 15 de maio de 2017 ao programa “lojas com história” que tem por objeto a distinção das lojas que se destacam pelas características únicas e reconhecido valor para a preser- vação da identidade lisboeta, a salvaguardar pelo maior tempo que for possível (daí a concessão do prazo adicional de cinco anos à revelia da eventual vontade do senhorio em sentido oposto). Fê-lo, atempadamente, com todas as cautelas, ainda antes da aprovação da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, tendo certamente plena consciência de que o final do prazo do contrato de arrendamento que ocorreria em 30 de abril de 2018. Deu desse facto imediato e oportuno conhecimento ao senhorio, por missiva de 3 de agosto de 2017, recep- cionada por aquele. O que significa que, aquando da entrada em vigor da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho (em 24 de junho de 2017), tanto o senhorio como a inquilina sabiam perfeitamente que o contrato de arrendamento entre eles vigente, subordinado por acordo ao regime do NRAU, e caso a arrendatária fosse – como indiscutivelmente é – uma “loja com história”, não cessaria afinal em 30 de abril de 2018, renovando-se por um período adicional de cinco anos, face ao imperativo legal associado à prossecução de finalidades de interesse público local, mais concretamente a preservação do valor histórico, cultural e localmente social da atividades económicas, empresariais e comerciais que marcaram – e ainda marcam – a identidade da cidade de Lisboa. Ou seja, este específico e singular quadro jurídico que envolve e regula a relação locatícia em apreço encon- trava-se já então – em 24 de junho de 2017 – perfeitamente definido e consolidado, aguardando-se apenas, no plano jurídico-formal, a prática do ato administrativo de que dependia o reconhecimento da distinção de “loja com história”. O próprio senhorio já sabia – e tinha sempre que contar com isso – que o processo administrativo em marcha poderia, em termos de escorreita normalidade, isto é, se decorresse conforme o esperado e no tempo expectável, levar a que fosse reconhecida e conferida à inquilina a distinção em causa e que tal circunstância implicaria inelu- tavelmente a prorrogação do vínculo contratual por mais cinco anos, com que teria de se conformar. Neste contexto, o A., ora apelante, teria necessariamente que antever tal possibilidade séria, e altamente pro- vável, diga-se, perante a longa história comercial da centenária e emblemática “B.”, o que é do conhecimento do público em geral, pelo menos no que tange à sua antiguidade, marca identitária e lastro comercial ininterrupto, de geração em geração, na dinâmica da tradição da vida lisboeta. Caso tal não sucedesse, valeria então inteiramente a manifestação de oposição à renovação do contrato de arrendamento que, com larga antecipação, bem superior à exigida no artigo 1097.º, n.º 1, alínea b) , do Código Civil, aliás, comunicou à inquilina. Porém, o que sucedeu na situação sub judice foi um anómalo, inexplicável e inesperado arrastamento do pro- cesso administrativo conducente ao reconhecimento dessa distinção, o qual, sem qualquer tipo de culpa, contri- buição ou responsabilidade da inquilina, acabou, contra todas as previsões e expectativas, por demorar cerca de um ano. Devido a tal atraso, quando chegou o mais que previsível reconhecimento da distinção da “loja com história” da efetivamente histórica B., através da prática do ato administrativo correspondente, já se encontrava ultrapas- sado, há dois meses, o prazo de vigência do contrato de arrendamento em causa, ao qual deveria ter sucedido – dentro da normalidade dos acontecimentos – o prazo de vigência adicional de cinco anos legalmente imposto. Quid juris? Afigura-se-nos insofismável que a inquilina não poderá ser prejudicada, afetada ou penalizada pelos atrasos derivados do anormal funcionamento da máquina administrativa autárquica no processo de reconhecimento da sua distinção enquanto “loja com história”. Trata-se, desde logo e em primeiro lugar, de uma inelutável decorrência da aplicação concreta e prática do prin- cípio geral da tutela da confiança que, salvaguardando a atribuição a qualquer cidadão de determinada prerroga- tiva, por uma questão de elementar segurança jurídica e boa-fé, deverá coerentemente implicar que lhe sejam asse- gurados os procedimentos instrumentais susceptíveis de a formalizar e concretizar, os quais terão que corresponder
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