TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

39 acórdão n.º 123/21 n.º 1, do citado Decreto, foi o de deixar de punir tal colaboração, desde que realizada por profissionais de saúde com observância de determinadas condições materiais e procedimentais, libertando-os, desse modo, do dever de não matar ou de não ajudar ao suicídio de terceiros. Ou seja, e agora na perspetiva de quem deseja morrer: o direito a uma morte medicamente assistida nas condições legalmente previstas – direito esse que também é con- ferido pelo diploma em análise – implica excluir a punibilidade dos profissionais de saúde que, nessas mesmas condições, matem ou colaborem na morte da pessoa que exerceu tal direito. Na perspetiva do requerente, dir-se-á que a prática da antecipação da morte medicamente assistida, tal como prevista no referido artigo 2.º, n.º 1, é considerada não punível desde que se mostrem respeita- dos determinados pressupostos, entre eles, a «situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal». Porém, atendendo ao significado objetivo de tal prática – matar alguém a seu pedido ou ajudar alguém a suicidar-se – a discussão das condições concretas ou dos pressupostos da mesma prática só tem sentido – e só tem utilidade –, caso a mesma não seja, desde logo, e de per si , incompatível com a Constituição, nomeadamente com o disposto no seu artigo 24.º, n.º 1. A antecipação da morte medicamente assistida, pela sua própria natureza, contende obviamente com o valor da vida humana afirmado nesse preceito, pelo que tal questão, além de incontor- nável, é prévia a todas as demais expressamente colocadas pelo requerente (e isto, independentemente da extensão atribuída no caso concreto ao objeto do pedido). 15. A alternativa entre a prática ou ajuda à morte medicamente assistida não punível convoca, ao menos implicitamente, diferentes conceitos em regra associados à temática que o legislador entendeu regular – a decisão de uma pessoa pôr termo à vida, com o envolvimento de outra pessoa, que a ajuda a praticar o ato que provoca a morte ou pratica tal ato – evitando as expressões mais usuais para referir os conceitos de ajuda à morte ( Sterbehilfe ) ou eutanásia, frequentemente discutidos e analisados no domínio do direito penal. Tra- ta-se de realidades muito diferenciadas cujo «núcleo semântico» se prende «com a ideia de proporcionar uma boa morte ou uma morte suave a quem se encontra numa fase terminal da vida, acometido por doença incu- rável e numa situação de profundo sofrimento» (assim, vide Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XXVII ao artigo 24.º, p. 530; no mesmo sentido fundamental, vide Figueiredo Dias, “A ‘ajuda à morte’: uma consideração jurídico-penal” in Revista de Legislação e de Jurisprudência , n.º 137.º, Ano 2007- 2008, n.º 3949 (março-abril de 2008), pp. 202 e segs., p. 203). Esta perspetiva é confirmada pelos cinco projetos de lei que integraram o procedimento legislativo que culminou na aprovação do Decreto n.º 109/XIV: – O Projeto de Lei n.º 4/XIV/1.ª, apresentado pelo Bloco de Esquerda, tinha por objeto definir e regular as condições em que a antecipação da morte por decisão da própria pessoa (com lesão defi- nitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável), quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde, não é punível (artigos 1.º e 8.º, n.º 2); – O Projeto de Lei n.º 67/XIV/1.ª, apresentado pelo PAN, tinha por objeto regular o acesso à morte medicamente assistida, «na vertente de eutanásia e suicídio medicamente assistido» (cfr. artigos 1.º e 12.º); – O já mencionado Projeto de Lei n.º 104/XIV/1.ª, apresentado pelo Partido Socialista, visava regu- lar as condições especiais em que a prática da eutanásia não é punível (artigo 1.º), abrangendo no conceito de eutanásia a prática e a ajuda à antecipação da morte («considera-se eutanásia não punível a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profis- sionais de saúde» – cfr. o artigo 2.º, n.º 1); – O Projeto de Lei n.º 168/XIV/1.ª, apresentado pelo Partido Ecologista “Os Verdes” visava regular as condições e os procedimentos específicos a observar nos casos de morte medicamente assistida e alterar o Código Penal para despenalizar a morte medicamente assistida (artigo 1.º, n.º 1), con-

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