TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

386 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XVIII– Mesmo que se entendesse ter o Estado (legislador) gerado expectativas de continuidade, não se afigura que a questão dos presentes autos possa corresponder às exigências do segundo teste – o que tem em vista esclarecer se a expetativa do requerente é legítima e fundada em boas razões; quer tendo em conta o quadro normativo em que se insere a norma sindicada, quer tendo em conta as concretas circunstâncias processuais do caso, estando em curso o procedimento de reconhecimento municipal do estabeleci- mento comercial existente no locado como «Loja com História», no qual houve lugar à participação do proprietário, dificilmente se pode considerar que os princípios de certeza e segurança jurídicas determi- nassem que, numa situação como a vertente, a definição da posição do senhorio se mostrasse totalmente cristalizada na data do previsto termo do arrendamento, dependendo o desfecho do arrendamento da circunstância de, naquele momento, ter ou não ter ainda sido proferida a decisão administrativa aguar- dada no procedimento de reconhecimento do estabelecimento existente no locado; se assim fosse, ter-se- -ia como resultado que situações identicamente merecedoras da tutela conferida pela Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, encontrassem diverso destino consoante a celeridade ou a demora do procedimento de reconhecimento em curso, ficando, deste modo, a tutela que o legislador entendeu conferir aos interesses e valores a salvaguardar dependente da atuação administrativa em cada caso. XIX – Apenas se poderia encontrar alguma correspondência com o terceiro teste, na medida em que o recor- rente tivesse programado a sua vida na perspetiva de ver cessado o arrendamento no seu termo, exercendo a faculdade de se opor à respetiva renovação; todavia, os planos ou investimentos basea- dos na confiança que o recorrente pudesse depositar na possível cessação do arrendamento, com vista, porventura, à recolocação no mercado do locado, prévios à publicação da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, não se afiguram muito determinantes em face do critério normativo especificamente sindicado nos presentes autos; no momento em que o recorrente se opõe à renovação do contrato de arrendamento celebrado aquela Lei já se mostrava em vigor, não se afigurando de que modo pudesse ocorrer um investimento seguro na perspetiva de cessação do arrendamento baseado num facto aleatório: a data da prolação da decisão final de reconhecimento do bem locado como um estabelecimento comercial de relevante interesse histórico e cultural ou social local no âmbito de um procedimento já iniciado – se antes ou depois do concreto termo do contrato. XX – Ainda que se pudesse admitir a existência de uma expetativa legítima sólida que não pudesse contar com a inovação trazida pela superveniência do critério normativo aplicado, certo é que também não se mostra, em qualquer caso, verificado o segundo pressuposto do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, pois a afetação das expectativas invocadas é ainda «ditada pela neces- sidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar- -se prevalecentes», não havendo evidência de se mostrar tal afetação desproporcionada em qualquer dos seus efeitos, por aplicação do quarto teste; quer tendo em conta as razões de interesse público que subjazem à medida sindicada, quer tendo em conta o grau de afetação dos direitos do proprietário (bastante reduzido nos seus efeitos), também em face da invocação das expetativas alegadamente defraudadas é de concluir pela prevalência dos direitos e valores constitucionais prosseguidos quando contrapostos à limitada e temporária afetação da expetativa de ver cessado o arrendamento celebrado no termo do prazo (protelado por cinco anos); a ponderação dos interesses e valores em presença não habilita um juízo de inconstitucionalidade sobre a norma aplicada no caso dos autos. XXI – O mesmo se diga quanto à alegada afetação desproporcionada da expetativa de ver cessado o arrenda- mento no prazo fixado derivada da «indeterminação temporal da restrição do direito do senhorio» ao aguardar a decisão municipal de reconhecimento do estabelecimento comercial existente no locado

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