TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
382 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL outros direitos e valores que se lhe contraponham; a situação dos autos sub judice é ilustrativa da contraposição de direitos e interesses dos senhorios e arrendatários – no caso, quanto à duração e termo do contrato de arrendamento -, contrapondo-se ao interesse do senhorio na cessação do arren- damento, porventura com vista à recolocação no mercado do bem locado, o interesse do inquilino na permanência no locado, dirigido à preservação e valorização do estabelecimento comercial, podendo a estabilidade e continuidade do estabelecimento comercial no local arrendado assumir um papel deter- minante quanto à viabilidade e sucesso da concreta atividade económica ali desenvolvida, assumindo a localização do estabelecimento inegável relevância para a atividade comercial exercida no local. IV – No entanto, a limitação dos poderes dos senhorios encontra sobretudo justificação nas razões de uti- lidade social decorrentes da finalidade dos próprios arrendamentos; a estabilidade e continuidade da exploração comercial no prédio arrendado serve, em última análise, a proteção da própria atividade comercial ali exercida, cuja tutela pode encontrar referente em normas constitucionais; perante a espe- cificidade do estabelecimento instalado no prédio arrendado – estabelecimento comercial de efetivo interesse histórico – , a medida legislativa sindicada, quando introduz uma compressão da liberdade negocial nos arrendamentos comerciais habilitando a manutenção da relação arrendatícia e, assim, a permanência do locatário no locado por período temporal superior ao pretendido pelo proprietário/ locador, serve específicos bens e interesses gerais constitucionalmente tutelados, neles encontrando justificação. V – A preservação e valorização dos estabelecimentos e entidades «de interesse histórico e cultural ou social local» não pode deixar de convocar a proteção constitucional do património cultural, tarefa primeira- mente (embora não exclusivamente) cometida ao Estado, logo em sede de enunciação das respetivas tarefas fundamentais; em grande medida o escopo do regime de proteção previsto na Lei n.º 42/2017 procura salvaguardar os interesses públicos protegidos pelo artigo 78.º da Constituição e os direitos (e deveres) que lhes estão associados, servindo também a permanência do estabelecimento ou entidade no locado, dada a indissociável ligação entre a atividade ali desenvolvida e a preservação e valorização dos valores patrimoniais em presença, aquela finalidade de proteção dos bens e valores culturais. VI – A medida legislativa sindicada corresponde ainda aos interesses públicos protegidos pelo artigo 65.º, especificamente os interesses urbanísticos; a manutenção da atividade desenvolvida pelas entidades ou estabelecimentos de reconhecido valor histórico e cultural ou social local, na localização original, ao contribuir para a preservação das características identitárias do tecido urbano em que se integra, em especial nos designados centros históricos, constitui também, na relação com os públicos a que se dirige (clientes, utentes, turistas, visitantes), um polo de atração e de (re)vitalização importante para a própria cidade; a proteção das «Lojas com História» ilustra de forma exemplar, a confluência dos interesses patrimoniais e urbanísticos em presença e assim também, esta forte implicação dos interesses públicos envolvidos e a necessidade de conjugação e articulação das políticas públicas nestes domínios, revela-se com evidência no regime normativo de onde deriva a norma agora posta em crise; a medida legislativa sindicada, não deixa de corresponder ainda aos interesses públicos protegidos pelo artigo 66.º, n.º 2, alínea e) , da Constituição. VII – Identificadas as razões de interesse público que justificam a compressão do direito de propriedade – salvaguarda dos valores patrimoniais culturais em presença, gestão urbanística dirigida à salvaguarda do património urbano em articulação com a valorização e revitalização do tecido urbano em que aque- les estabelecimentos ou entidades se inserem –, assim configurando uma credencial constitucional
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