TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
38 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL requerente não deixa de invocar quando, ao enunciar (negativa e positivamente) o objeto do recurso, refere «tratar-se de matéria que se situa no core dos direitos, liberdades e garantias, por envolver o direito à vida e a liberdade da sua limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana»; e, outrossim, mais adiante, na conclusão, ao fazer referência «à amplitude da liberdade de limitação do direito à vida, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme decorre da conjugação do artigo 18.º, n.º 2, respetivamente, com os artigos 1.º e 24.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa» (cfr. o ponto 3.º do requerimento e a conclusão); ou, ainda, quando afirma que a «insuficiente densificação norma- tiva não parece conformar-se com a exigência constitucional em matéria de direito à vida e de dignidade da pessoa humana» (requerimento, ponto 9.º). 13. Também as concretas questões de constitucionalidade suscitadas pelo requerente – e sobre as quais o Tribunal tem o dever de se pronunciar nesta sede – com base na alegação de uma insuficiente densificação normativa dos critérios por si identificados em função de parâmetros como os princípios da legalidade e da tipicidade criminal, consagrados nos artigos 29.º, n.º 1, e 112.º, n.º 5, da Constituição, só têm sentido à luz da prescrição ínsita no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto: o grau de determinabilidade exigível aos conceitos expressamente referidos na parte inicial do requerimento e ao longo da respetiva fundamentação – e, antes disso, o próprio sentido e alcance normativo-jurídico dos mesmos – só é inteligível à luz da função dos pres- supostos ou critérios que tais conceitos visam exprimir. Ou seja, os mesmos só correspondem a “critérios”, porque estão associados à condição de produção de certos efeitos jurídicos ( in casu , trata-se de pressupostos essenciais da não punição da assistência à morte medicamente assistida; considerados como meros enuncia- dos linguísticos, os conceitos em apreço limitam-se a descrever a realidade empírica, sem qualquer relevância jurídica. Por outro lado, na dogmática jusadministrativa – pertinente in casu , desde logo em razão da inter- venção necessária no procedimento clínico e legal de uma entidade pública, como é o caso da CVA, mediante a emissão de parecer (cfr. os artigos 7.º, n. os 1 e 4, 23.º, 24.º e 25.º, n.º 1, todos do Decreto n.º 109/XIV) – a indeterminação normativa decorrente da utilização de certas expressões é relevante para efeitos de saber se o legislador pretendeu ou não atribuir uma margem de livre apreciação – e, em caso afirmativo, quais os limites da mesma – e tal conclusão depende da interpretação da norma em que tais conceitos se integram (cfr., por todos, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 93 e segs., maxime p. 100: só «em concreto, por interpretação da lei se pode determinar a que tipo se reconduz certo conceito indeterminado»; e Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, tomo I, 3.ª edição, Dom Quixote, Alfragide, 2008, pp. 183 e segs., maxime pp. 190-193). Ou seja, o grau de determinabilidade exigível aos conceitos utilizados nos enunciados linguísticos correspondentes a disposições normativas é função do sentido e alcance das normas em que os mesmos se integram. Assim, no caso vertente, a determinabilidade dos conceitos expressamente referidos pelo requerente implica o conheci- mento da sua função no quadro da própria previsão da antecipação da morte medicamente assistida. B) O horizonte problemático da antecipação da morte medicamente assistida prevista no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV 14. As considerações que antecedem permitem compreender o horizonte problemático em que a não punibilidade da antecipação da morte medicamente assistida objeto do Decreto n.º 109/XIV se inscreve e torna mais clara a estratégia argumentativa seguida pelo requerente, em especial no que se refere à intenção expressa de não discutir «a eutanásia, enquanto conceito» e a questão de saber se a mesma «é ou não con- forme com a Constituição» (requerimento, ponto 3.º). A verdade é que a antecipação da morte medicamente assistida implica a colaboração voluntária de profis- sionais de saúde na morte de uma pessoa a seu pedido, a qual, até à data, é sempre punível, nos termos dos arti- gos 134.º e 135.º do Código Penal (ou, porventura, em função das circunstâncias do caso, mesmo dos artigos 131.º e 133.º do mesmo Código). O fim precípuo do legislador, pelo menos no tocante à norma do artigo 2.º,
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