TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
378 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL exemplo os Acórdãos n. os 255/05, 487/06, 682/06, 353/10, 778/12, e, mais recentemente, os Acórdãos n. os 234/20, 362/20 e 369/20, entendimento que continuo a sufragar. 3. Em primeiro lugar, a comunicação que se estabelece entre a modulação que o legislador ordinário conferiu ao exercício do contraditório pelo arguido no âmbito do recurso interposto para a relação por outro sujeito processual e a identificação de um núcleo irredutível do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, confunde os dois planos. Como observou a Conselheira Lúcia Amaral em declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 412/15, a eventual existência de um deficit de regulação de direito ordinário, de modo a permitir uma surpreendente, não antevista e por isso não contra-argumentada, impo- sição de sanção não privativa da liberdade, constitui problema que tem por objeto as normas que permitem um tal desequilíbrio, em prejuízo da defesa, e não propriamente as soluções normativas de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Um tal problema não impõe, nem se supre ou resolve, com o acesso a um terceiro grau de jurisdição, atentas as limitações cognitivas que acarreta. Atente-se nos casos de julgamento do recurso pelo tribunal supremo, relativamente ao qual, por defini- ção, não pode existir recurso para órgão judicial distinto e superior, não sendo impossível que surja apenas nesse momento processual uma primeira compressão de um direito, liberdade e garantia do arguido, ou a modificação inovatória de anterior compressão. Basta pensar, no regime processual penal vigente, na hipótese normativa do n.º 2 do artigo 409.º do Código de Processo Penal (CPP), ou no recurso per saltum para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou do tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, nos termos admitidos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP. Ou, ainda, no plano do recurso para a relação, por via da impugnação ampla do julgamento em matéria de facto, cujo julga- mento não pode ser reexaminado e substituído em recurso pelo STJ, circunscrito na sua cognição à matéria de direito, sem prejuízo do controlo (oficioso) compreendido na revista alargada, de acordo com os artigos 410.º e, n. os 2 e 3, e 434.º do CPP. Em todas essas situações, em que é manifesta a legitimação da solução normativa de irrecorribilidade, está o legislador vinculado a assegurar que o arguido tenha efetiva possibili- dade de se defender, disciplinando o sistema de julgamento do recurso perante os tribunais da relação e do STJ em função das exigências do direito a um duplo grau de jurisdição e do processo equitativo. Ainda que autónomo, o direito fundamental ao recurso não comporta em si mesmo todo o valor garan- tístico que o direito de defesa do arguido reclama, nem constitui condição suficiente para um exercício efe- tivo das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Por isso se estatui no texto constitucional que o direito ao recurso se inclui no direito fundamental de defesa, do qual constitui, por certo, uma das vertentes principais, mas não a única. 4. Por outro lado, a ponderação que suporta a aceitação da estabilização do juízo de culpabilidade por via do exercício do duplo grau de jurisdição, mesmo com reversão de decisão absolutória – o que representa uma evolução relativamente ao entendimento expresso no Acórdão n.º 31/20 (cfr. ponto 13) –, vale por igualdade de razão perante a única vertente relativamente à qual se entende constitucionalmente imposto o acesso a um terceiro grau de jurisdição: a questão da determinação da pena ou medida de segurança, qual- quer que seja a sua espécie e medida concreta. Desde logo, não é exato que toda a decisão criminal que declare a culpabilidade do arguido comporte necessariamente a declaração de uma sanção penal. Pode suceder que o juízo condenatório seja acompanhado da verificação dos pressupostos da dispensa de pena (artigo 74.º do Código Penal), pronunciamento que o legislador processual penal qualifica, mormente para efeitos de recorribilidade, como decisão condenatória (artigo 375.º, n.º 3, do CPP). Nesses casos, como reconhece o Acórdão, a solução normativa que veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não é merecedora de censura constitucional, à luz do direito fundamental ao recurso, porquanto, relativamente aos factos e crimes imputados de que foi absolvido, o arguido «pôde aduzir
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