TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

376 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL condicional em prisão –, cuja teleologia político-criminal radica na assunção de um projeto de ressocialização em liberdade, que só será revertido se, na fase de execução da pena suspensa, o cumprimento da prisão se revelar indispensável à necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pp. 333 e segs.). A privação da liberdade do condenado, a vir a ter lugar, depende da verificação de pressupostos materiais específicos, nomeadamente, o incumprimento culposo das condições da suspensão, cujo reconhecimento exige um novo ato judicativo, relativamente ao qual é admissível o recurso (artigos 399.º e 495.º do CPP). Além disso, as limitações às hipóteses de recurso seriam igualmente justificadas com base numa ideia de racionalização, não arbitrária, do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, pelo que não seriam aceitáveis quando se trate de uma condenação em pena grave, em particular, a prisão efetiva, mas já se poderia admitir no caso de penas não privativas de liberdade. Mais ainda, e uma vez mais no caso concreto, o arguido não assumiu perante o tribunal da relação apenas a posição processual de recorrido, limitado à apresentação de resposta (artigo 413.º do CPP) ou à produção de alegações orais em audiência (artigo 423.º do CPP), sem prejuízo de outras possibilidades de defesa, designadamente em caso de alteração da qualificação jurídica pelo tribunal de recurso. Efetivamente, uma vez que também interpôs recurso da decisão proferida em 1.ª instância, teve acesso à modulação do seu recurso, independentemente da conformação do recurso apresentado por outro sujeito processual, nomea- damente quanto à questão da determinação da espécie e medida da pena unitária. Por outro lado, a reversão da decisão absolutória decorreu em larga medida da modificação da decisão em matéria de facto operada por efeito da procedência do recurso em matéria de facto, por aplicação do disposto na alínea b) do artigo 431.º do CPP, a qual era perfeitamente antecipável, por previamente especificados pela assistente no seu recurso os concretos factos incorretamente julgados e as concretas provas que impunham decisão diversa, como imposto pelas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP. Com isso, perante uma modificação parcelar do decidido pela 1.ª instância, que comporta a condenação por outros crimes, com a determinação da espécie e medida da pena a impor por cada uma, bem como a apreciação e fundamentação da pena unitária imposta – também pena suspensa –, não se poderia afirmar que a cognição pelo TRG desse leque de questões é inteiramente inovadora. 16. Tal tese não nos parece prosperar. Como se demonstrou, o direito ao recurso em processo penal não é uma garantia exclusiva do direito à liberdade, isto é, não se vislumbra, à luz dos comandos constitucionais, um direito ao recurso de tipo garantidor da liberdade e um outro direito ao recurso, mais restrito, que per- mita reagir a condenações que afetem somente direitos individuais distintos, como é o caso das condenações em pena suspensa ou pecuniária. Ao contrário, a Constituição prevê o direito ao recurso como garantia de defesa no processo criminal, sem qualquer diferenciação – porque o que se pretende é, antes de mais, a pos- sibilidade de reação contra a condenação penal. Com efeito, este direito fundamental funciona como eixo central da dinâmica de proteção dos cidadãos, no nosso Estado de direito democrático, funcionando como um limite absoluto ao poder punitivo do Estado. Neste sentido, recordamos, novamente, as conclusões acolhidas pelo Acórdão n.º 31/20, que mutatis mutandis devem ser transpostas para responder à dimensão atacada neste recurso. Do mesmo modo que se configurou a inconstitucionalidade quanto à irrecorribili- dade da condenação inovatória, naquele caso em pena de multa, torna-se indeclinável reconhecer também a inconstitucionalidade da irrecorribilidade da condenação inovatória em pena não privativa da liberdade, seguindo a delimitação do objeto agora em causa. O juízo de inconstitucionalidade acerca da impossibilidade de recurso na circunstância de condenações inovatórias não depende, pois, como destacado supra , da natureza da pena aplicada ex novo ; o que, sim, releva é o direito de o arguido reagir, por seu próprio impulso, contra a mesma, pela primeira vez. É que o juízo condenatório comporta, inelutavelmente, uma afirmação pública de antijuridicidade e de censura pessoal, com ressonância negativa na consideração social do visado e a constrição da esfera jurídica do arguido e dos seus direitos fundamentais. Ora, se quanto à primeira questão – designadamente, acerca da alegada prática de

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