TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
373 acórdão n.º 102/21 evitem a sua manipulação, asseverou, em prol da tutela jurisdicional efetiva, na vertente do acesso às vias de recurso, o seguinte (ponto 12): “(...) a constrição penal sobre direitos, liberdades e garantias só é válida quando aos indivíduos é permitido reagir perante um tribunal, quer contra uma acusação em curso, quer contra uma posterior decisão que afete a sua esfera jurídica. Neste sentido, e significativamente, nada na Constituição estabelece uma indexação interna, no direito ao recurso, nos termos da qual o valor deste direito tenha mais peso quando o conteúdo de uma pena seja quantitativa ou qualitativamente mais ou menos grave, segundo critérios atinentes à intensidade da interferência da condenação na esfera de direitos fundamentais de que cada pessoa é sujeito. Pelo contrário: o nível de proteção dos direitos fundamentais não comporta uma geometria variável que, em certos casos, faria a sua potência atingir a plenitude, mas, noutros, acarretaria uma proteção menos intensa. O standard de funcionamento do Estado, em todas as suas instâncias, deve ser de um nível de proteção elevado, de forma a efetivar as garantias que o sistema constitucional determina”. 11. Ou seja, nos termos desta nova orientação jurisprudencial, a lógica do direito constitucional ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP – autonomizado da garantia de duplo grau de jurisdição – não depende do tipo de pena aplicada. Por conseguinte, impõe-se que todas as decisões condenatórias ex novo – que incluem, naturalmente, a determinação da pena e/ou da respetiva medida concreta, no todo ou em parte – sejam passíveis de reapreciação por um tribunal superior àquele que se pronunciou sobre as dimensões essenciais e inovatórias da decisão condenatória. Não releva, portanto, nesta sede, o facto de se tratar de pena privativa de liberdade (efetiva ou suspensa) ou de pena não privativa de liberdade (de multa, admoestação ou outra). A existência de uma condenação nova que sobrevenha, nestes termos, de uma rea- preciação judicial convoca o direito fundamental ao recurso, já que o arguido não poderia, de forma alguma, ter-se defendido em momento anterior à sua cominação. Neste aspeto, afirma-se no Acórdão n.º 31/20: "(...) apenas um recurso contra a condenação proporciona a (re)apreciação – por um tribunal superior – da operação subsuntiva efetuada pelo tribunal a quo, de forma a que o arguido possa mobilizar a tutela jurisdicional para questionar os termos em que se decidiu a sua condenação penal. A compressão do direito fundamental ao recurso, definida pela dimensão normativa do artigo 400.º do CPP aqui em análise, consubstancia, nessas hipó- teses, uma verdadeira supressão do direito, ilustrativa, aliás, de como o duplo grau de jurisdição, de facto, não assegura per se as garantias dos direitos de defesa previstos no artigo 32.º, n.º. 1, da CRP”. Em síntese, "(...) mantida intacta a unicidade da causa penal, apenas os elementos que conduzam ao juízo de culpabilidade (reformador da decisão absolutória prévia) e consequente fixação da sanção, em harmonia com os artigos 368.º e 369.º do CPP, ao serem questionados pelo arguido recém-condenado, deverão ser objeto de reapreciação. Essa (primeira) reapreciação, que garante o respeito pelas garantias jurídico-constitucionalmente tuteladas de defesa do arguido, é assegurada, na prática, pelo direito ao recurso ” (destacado no original). 12. No caso dos autos, como antes relatado, temos que o arguido foi condenado em 1.ª instância, pela prática de um crime de falsidade informática e de um crime de abuso de poder e foi absolvido da prática de dois crimes de abuso de poder e de um crime de violência doméstica, pelos quais também havia sido pronun- ciado, além do pedido de indemnização civil. A posteriori , o TRG, julgando em recurso, reverteu a decisão para condená-lo, a mais, por um crime de violência doméstica – tendo mantido os demais – e no pagamento de € 12 000, a título de indemnização por danos morais. Ao recorrer desta condenação ex novo , o recorrente esbarrou na inadmissibilidade legal da sua pretensão, em virtude do estatuído na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
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