TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e) , ambos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que condenem os arguidos em pena de multa, ainda que as decisões recorridas da 1.ª instância sejam absolutórias. Ou seja, não apenas os dispositivos legais em que assenta a norma concreta objeto daquela decisão são integralmente coincidentes com os destes autos, como também a específica dimensão normativa então examinada tem repercussão direta na que ora se analisa. Efetivamente, e na medida em que a condenação em pena de multa é uma subespécie da condenação em pena não privativa da liberdade, parte significativa do esforço argumentativo e da ponde- ração de bens e direitos constitucionalmente relevantes é transponível para o caso em apreço. Nestes termos, o teor do Acórdão n.º 31/20 reveste indesmentível interesse para a solução a dar ao presente recurso, cuja norma-objeto se reconduz, conforme delimitado supra , no ponto 7, à inadmissibili- dade dos recursos interpostos contra acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade, cuja decisão em primeira instância tenha sido absolutória. Vejamos, por isso, os seus fundamentos básicos e a lógica inerente à sua fundamentação. 10. Após revisitar o longo percurso jurisprudencial nesta matéria – para o qual desde logo se remete ( v. g. , Acórdãos n. os  429/16, 595/18, 672/17 e 128/18) –, apontando pontos em comum e pontos de afas- tamento entre as posições sufragadas por este Tribunal Constitucional e a sua incidência ao caso concreto, o Acórdão n.º 31/20 asseverou que o elemento fundamental respeitante à solução jusfundamental de relevo não se encontra na natureza da pena, mas sim na possibilidade de que o arguido dispõe para reagir contra a condenação – e as inerentes determinação da espécie e da medida da pena aplicada, que se entendeu deve- rem ser suscetíveis de sindicância, à luz do direito constitucional ao recurso, entendido como um direito subjetivo do arguido ao seu próprio recurso (ponto 11). Isto porque a condenação penal em si mesma, inde- pendentemente de ser (ou não) em pena de prisão, acarreta um peso e um potencial de afetação dos direitos fundamentais do condenado muito significativos. Neste sentido, lê-se no aresto em referência (ponto 10): “De facto, a maioria das condenações em multa previstas na legislação penal assume a configuração de pena alter- nativa, o que não implica que a condenação – ainda que na pena menos gravosa possível-, não tenha, para o arguido, um peso e um potencial de afetação dos seus direitos fundamentais que mereçam uma tutela das garantias de defesa em sede de processo criminal, jusconstitucionalmente consagradas, mais intensa do que a desenhada pelo legislador. Em causa estará, em qualquer circunstância, uma ingerência por parte do Estado no âmbito jurídico-constitucional- mente tutelado de direitos fundamentais – senão o direito à liberdade, o direito à propriedade (no caso da pena de multa, que aqui analisamos, alternativa ou não) e, inelutavelmente, mesmo nos casos de dispensa de pena, os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e ao bom nome e reputação, previstos no n.º 1 do artigo 26.º da CRP – operada através da condenação penal em si mesma, cuja gravidade não pode ignorar-se. O juízo de ponderação a levar a cabo no caso concreto deve, pois, estabelecer se a limitação dos direitos de defesa do arguido, previstos no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e em particular do seu direito ao recurso – autonomizado da garantia de duplo grau de jurisdição – se considera justificada, nos casos de condenação em pena de multa, após decisão abso- lutória na 1.ª instância, pela necessidade de limitar e racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, em nome da celeridade e segurança jurídicas, que constituem valores constitucionalmente tutelados; ou se, ainda que não possam deixar de sopesar-se tais valores, as consequências de uma condenação, e inerente determinação da pena e da respetiva medida concreta, na esfera jusfundamental do arguido, se afiguram de tal modo profundas que não pode deixar de reconhecer-se, nesta sede, a imperatividade do exercício do direito ao próprio recurso – um recurso em relação à decisão condenatória e seus elementos específicos, modelado pelo arguido, nos termos que tenha por adequados”. Nesta sequência, o Acórdão citado, sem deixar de lado as preocupações, de assento constitucional, com o prazo razoável dos processos e o tempo útil das decisões, e sem descurar, também, a legítima margem de atuação do legislador para encontrar fórmulas não excessivas que restrinjam as hipóteses de recurso e que

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