TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

371 acórdão n.º 102/21 9. O confronto de normas que disciplinam a admissibilidade do recurso para o STJ em caso de conde- nação em pena não privativa da liberdade pelos tribunais da relação, em sede de recurso interposto de decisão absolutória, com a garantia do direito ao recurso em processo penal, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, corolário do princípio do acesso ao direito e aos tribunais com sede no artigo 20.º da Consti- tuição, constitui matéria sobre a qual o Tribunal tem sido frequentemente chamado a pronunciar-se. A posição tradicional da jurisprudência constitucional sobre a matéria tem afirmado que o direito ao recurso integra uma das mais relevantes dimensões garantísticas do estatuto constitucional do arguido em processo penal, sem que, todavia, decorra da norma normarum uma imposição, universal e absoluta, de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para reapreciação de declaração de culpabilidade ou das consequências jurídico-penais inovatoriamente decididas pelos tribunais da relação ( i. e. em todos os casos em que não se verifique dupla conforme), atuando como segunda instância jurisdicional e em primeiro grau de recurso. Por ser assim, assiste ao legislador democrático uma ampla liberdade de conformação na definição dos casos em que se justifica o acesso ao órgão cimeiro da hierarquia dos tribunais judiciais, contanto que assente em critérios que não padeçam de arbitrariedade, desrazoabilidade ou se mostrem desproporcionados. É disso exemplo o decidido no Acórdão n.º 49/03, no qual o Tribunal apreciou a conformidade cons- titucional da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, na dimensão em que não admite o recurso para o STJ de decisão condenatória proferida pela relação, em recurso de decisão absolutória proferida pela 1.ª instância, e que imponha uma das espécies de penas não privativas da liberdade: a pena de multa alternativa. Lê-se neste aresto o seguinte: “Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma decisão absolutória na primeira instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória: precisamente o acórdão da relação. (...) A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possi- bilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evi- tando a sua eventual paralização, e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f ) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa for aplicável pena de prisão “não superior a oito anos” [alínea f ) ] – não sendo hipótese abrangida pela alínea e) , naturalmente –, só não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se este confirmar “decisão de 1.ª instância”. Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela norma que constitui o objeto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”. Esse entendimento foi reafirmado, no domínio da mesma redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, perante norma tendo como elemento a revogação de decisão absolutória e imposição de pena de multa, e a mesma orientação jurisprudencial foi reiterada no Acórdão n.º 487/06 e, bem assim, nos Acór- dãos n. os 255/05, 682/06, 353/10 e 778/13, que a consideraram inteiramente transponível para os casos em que a relação, revogando a decisão absolutória proferida em 1.ª instância, condena o arguido numa pena de substituição da prisão, designadamente numa pena de substituição de estrutura suspensiva, como é o caso da pena de suspensão de execução da prisão. Contudo, o Tribunal Constitucional, nesta 2.ª Secção, voltou a apreciar objeto semelhante àquele que ora consubstancia a questão de constitucionalidade do presente recurso, no Acórdão n.º 31/20. No citado aresto, e ainda que com a manifestação, em voto de vencido, de entendimentos divergentes, julgou-se inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea

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