TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
367 acórdão n.º 102/21 condenatória, da medida da pena e do cúmulo jurídico que tenha sido realizado consubstancia uma ablação total dos seus direitos de defesa. 39. Esta ablação é absolutamente inadmissível uma vez que atinge as garantias essenciais de defesa do Arguido ao inviabilizar a possibilidade de contraditar os fundamentos da decisão e os critérios de escolha e determinação da medida da pena, maxime em cúmulo jurídico. 40. Em face do exposto, terá de concluir-se que a norma sindicada [art.º. 400.º, n.º 1, al. e) , do Código de Processo Penal], ao estabelecer a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que, invertendo o julgamento absolutório proferido pelo tribunal de julgamento em primeira instância, afirmando um juízo de culpabilidade do arguido, o condena em pena de prisão não superior a cinco anos, viola, de forma muito evidente, as garantias de defesa em processo penal (em especial o direito ao recurso) decorrentes do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, 41. Pelo que deverá ser julgada inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do Código de Processo Penal, na interpretação de que é irrecorrível o acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absol- vição ocorrida em 1.ª instância, condene o arguido em pena de prisão, suspensa na sua execução, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Consti- tuição da República Portuguesa; 42. No Ac. do Plenário n.º 429/2016, de 06.10.2016, este Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do Código de Processo Penal, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 43. Ora, sucede que todos os argumentos esgrimidos nesse acórdão e que fundamentaram a apontada decla- ração de inconstitucionalidade são ipsis verbis aplicáveis ao caso dos presentes autos, no qual, depois de ter sido absolvido da prática do crime de violência doméstica, pelo Tribunal da Comarca de Bragança, o Tribunal da Rela- ção condenou-o por esse mesmo crime, aplicando-lhe uma pena parcelar de dois anos e três meses de prisão e, em cúmulo jurídico, a pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, na condição de pagar à assistente a quantia de € 12 000. 44. Com efeito, o recorrente viu-se confrontado com uma condenação, uma pena e um cúmulo jurídico cujos fundamentos, medida concreta e condições de suspensão não teve oportunidade de questionar em sede alguma e que, portanto, escaparam (até ao presente momento) a qualquer controlo jurisdicional. 45. Por outro lado, o recorrente só tomou conhecimento dos fundamentos inovatoriamente desfavoráveis da decisão da Relação, e do tipo e quantum da pena em que foi condenado, através do acórdão desse tribunal, pelo que apenas nessa altura estava logicamente em condições para recorrer de tal decisão já que antes ela nem sequer existia. 46. Finalmente, impedir o recorrente de rebater, com argumentos próprios, os fundamentos da decisão, da medida concreta da pena e do cúmulo jurídico que lhe foi inovatoriamente aplicado, bem como das condições da suspensão daquela pena, consubstancia uma inaceitável e total ablação dos seus direitos fundamentais de defesa. 47. Em face do que deverá ser julgada inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do Código de Processo Penal, na interpretação de que é irrecorrível o acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condene o arguido em pena de prisão, suspensa na sua execução, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; 48. Doutro modo não seria compreensível que um arguido condenado em pena de prisão efetiva inferior a cinco anos, inovatoriamente pela Relação, pudesse recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, e um outro arguido condenado, pelo mesmo crime, em pena de prisão suspensa, mas cuja suspensão fosse entretanto revogada por não ter conseguido cumprir as condições da suspensão, não pudesse recorrer para aquele Supremo Tribunal. 49. Acresce que a condição da suspensão da pena de prisão está dependente do pagamento duma indemnização que o recorrente, atualmente desempregado (demitido da magistratura), não está ciente que consiga pagar.»
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=