TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 24. Dito por outras palavras, numa situação em que a uma absolvição de primeira instância sucede uma con- denação em pena de prisão (efetiva ou suspensa) no tribunal de recurso, todo o processo decisório da condenação e concernente à determinação da medida da pena a aplicar e (eventualmente) ao cúmulo jurídico a que haja lugar é uma parte da decisão que se apresenta como integralmente nova. 25. Na verdade, tanto o processo decisório conducente à condenação, como a decisão que define a pena de prisão a aplicar, e o cúmulo jurídico que porventura haja de realizar-se, pelo Tribunal da Relação, não foram objeto da decisão da primeira instância, pelo que constituem uma parte da decisão inteiramente nova. 26. Nesta circunstância, o Arguido vê-se confrontado com uma condenação, com uma pena e com um cúmulo jurídico cujos fundamentos e medida não teve oportunidade de questionar em sede alguma, escapando inadmis- sivelmente a qualquer controlo. 27. Existem, portanto, nesta situação, dimensões do juízo condenatório que não são objeto de reapreciação, uma vez que elas foram apreciadas, pela primeira vez, na instância de recurso. 28. Neste contexto, aceitar a irrecorribilidade da decisão condenatória seria admitir que o direito fundamental ao recurso (enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Consti- tuição) não garante a reapreciação, por uma segunda instância, dos fundamentos da condenação, da decisão que define a pena de prisão (efetiva ou suspensa) e a sua medida concreta em cúmulo jurídico. 29. Em suma, a parte da decisão com maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido ficaria à margem do recurso e, portanto, livre de qualquer controlo; circunstância que se afigura como absolutamente inaceitável num Estado de Direito. -B– 30. Num outro plano, o exercício do direito ao recurso, as garantias de defesa do arguido e o princípio do contraditório implicam que o recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar os fundamentos da decisão recorrida, com vista ao exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito. 31. Ou seja, os destinatários de uma decisão jurisdicional devem poder ter conhecimento do seu conteúdo para contra ela poderem reagir através dos meios processuais adequados. 32. No caso dos presentes autos, todavia, o recorrente só tomou conhecimento do fundamento, do tipo e do quantum da pena em que foi condenado através do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, razão pela qual apenas nesse momento é que ele estava logicamente em condições de recorrer dessa decisão, já que antes ela, pura e simplesmente, não existia. 33. Deste modo, no caso vertente, o direito do recorrente ao recurso da sua condenação não pode bastar-se com o exercício do contraditório no recurso interposto da sua absolvição, pela Assistente. 34. Isto porque o conteúdo típico do direito ao recurso abrange o efetivo poder de suscitar uma reapreciação da decisão desfavorável, sendo certo que, para tal, o recorrente tem de poder ter acesso aos fundamentos dessa decisão que só se tomam conhecidos no momento da sua prolação e não em momento anterior (designadamente aquando da apresentação das contraalegações ao recurso da Assistente). 35. Assim, só depois de proferida a decisão da Relação é que o recorrente pode verdadeiramente exercer o seu direito de recurso uma vez que, até então, o desconhecimento dos fundamentos e do critério/tipo de sanção (por a condenação em segunda instância ter sido antecedida de absolvição) não lhe permitiam reagir adequadamente contra a condenação e a pena de prisão impostas pelo Tribunal da Relação. 36. Trata-se, portanto, duma flagrante situação em que as garantias de defesa do arguido exigem necessaria- mente o acesso a uma nova instância de recurso. -C– 37. A racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não pode ser alcançada à custa do sacrifício dos direitos fundamentais de defesa do arguido. 38. Com efeito, no caso de uma condenação em pena de prisão definida pelo Tribunal da Relação, após absol- vição em primeira instância, impedir o arguido de rebater, com argumentos próprios, os fundamentos da decisão
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